Queridos irmãos e irmãs em Cristo! Amado Povo de Deus!
Estamos mais uma vez reunidos para a celebração da Missa da Unidade, celebrando e adorando Jesus Cristo vivo entre nós. Vocês vieram em procissões, das suas paróquias para a Igreja Mãe de todas as paróquias, a nossa Catedral. Foi muito edificante a vossa procissão, seja pela fervorosa fé em Jesus Sacramentado, seja pelo sacrifício da caminhada, mas também como expressão da única Igreja Peregrina, um Povo de Deus que caminha pelo mundo animado pela esperança de chegar ao Reino definitivo, passar da Igreja Peregrina à Igreja Triunfante. Padres, diáconos, religiosos e religiosas, numerosos leigos, caminhando juntos como uma só Igreja na diversidade dos seus membros, tendo Jesus como centro e guia.
1 A Igreja vive da Eucaristia
É o título da importante encíclica do Papa São João Paulo II. O Papa inicia com estas palavras: “Esta verdade não exprime apenas uma experiência diária de fé, mas contém em síntese o próprio núcleo do mistério da Igreja. É com alegria que ela experimenta, de diversas maneiras, a realização incessante desta promessa: “Eu estarei sempre convosco, até o fim do mundo” (Mt 28,20); mas, na sagrada Eucaristia, pela conversão do pão e do vinho no Corpo e Sangue do Senhor, goza desta presença com uma intensidade sem par. Desde o Pentecostes, quando a Igreja, povo da Nova Aliança, iniciou a sua peregrinação para a pátria celeste, este sacramento divino foi ritmando os seus dias, enchendo-se de consoladora esperança” (EE, 1).
O Concílio Vaticano II, na Constituição Lumen Gentium, afirma que o sacrifício eucarístico é “fonte e centro de toda a vida cristã”… “Na Santíssima Eucaristia está contido todo o tesouro espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, a nossa Páscoa e o pão que dá aos homens a vida mediante a sua carne vivificada e vivificadora pelo Espírito Santo” (PO, 5).
A celebração eucarística é o centro e coração de toda a vida cristã, de todo o culto da Igreja. Para lá converge e de lá se expande a nossa vida cristã. Portanto, não é o rito em si que torna a Eucaristia momento importante da nossa vida de Igreja, mas o Mistério Pascal que é celebrado, a redenção operada por Jesus Cristo, da qual a Igreja é continuadora e transmissora.
Desta beleza do mistério eucarístico brota também a beleza e a importância da nossa participação, especialmente dominical, da Santa Missa. É a mais excelente forma de alimentar e santificar a vida de cada um e a vida da Igreja toda.
2 A Igreja é o Corpo Místico de Cristo
Não é um aglomerado dos discípulos e seguidores de Jesus Cristo, mas na sua essência ultrapassa o aspecto visível de comunidade. É o próprio Cristo que continua presente no mundo pelo ser da Igreja.
A Igreja realiza esta sua identidade de ser portadora da missão redentora de Cristo comparada, na expressão de São Paulo, a um corpo. É oportuno citar, mais uma vez, as bonitas palavras do Apóstolo: “Como, num só corpo, temos muitos membros, cada qual com uma função diferente, assim nós, embora muitos, somos em Cristo um só corpo e, cada um de nós, membros uns dos outros. Temos dons diferentes, segundo a graça que nos foi dada… Vós todos sois o corpo de Cristo e, individualmente, sois membros desse corpo”. (Rm 12, 4-6; 27).
Um só corpo, na diversidade dos membros, dons, carismas e serviços, cuja cabeça é o Cristo!
3 Diversidade dos dons numa única missão – a vocação dos leigos.
Neste ano, dedicado de modo especial à reflexão sobre o papel dos leigos na Igreja e na sociedade, não podemos fazer diferente, isto é, dedicar algumas palavras a este tema.
Como sabemos, do Batismo brota toda a nossa dignidade de filhos de Deus, a nossa pertença a Cristo e à sua Igreja. O Batismo nos pede a vida em santidade, na imitação das perfeições divinas e na vivência concreta dos ensinamentos de Jesus. O Papa tem o seu papel na Igreja. Assim também os bispos, padres, religiosos e religiosas. E os leigos também. Todos estes serviços fluem da graça batismal e todos tem um único objetivo: o bem da Igreja e do mundo. É bom lembrar as belas palavras de Santo Agostinho, bispo: “Atemoriza-me o que sou para vós; consola-me o que sou convosco. Pois para vós sou bispo, convosco sou cristão”.
Quem são os leigos na Igreja? O Concílio Vaticano II os define: “Pelo nome dos leigos são compreendidos todos os cristãos, exceto os membros da Ordem Sacra e do estado religioso aprovado pela Igreja” (LG, 31). A sua índole é a inserção direta no mundo, como fermento na massa. “É específico dos leigos, por sua própria vocação, procurar o Reino de Deus exercendo funções temporais e ordenando-as segundo Deus”. (LG, 31).
Pela força do Batismo, os leigos, de modo especial, exercem a função de ordenar as coisas para Deus em tríplice dimensão: sacerdócio comum (prestar culto a Deus), dimensão profética (evangelização) e serviço (à imitação de Cristo que se fez servo de todos).
a) O Culto a Deus
Participando do sacerdócio comum dos fieis, os leigos prestam culto a Deus pelos atos cotidianos cumpridos dentro do espaço da vontade de Deus, oferecendo-se como dádiva a Deus, para que Deus seja glorificado e os homens salvos. São obras, preces, iniciativas apostólicas, vida conjugal e familiar, trabalho cotidiano, descanso do corpo e da alma, e mesmo os incômodos da vida pacientemente suportados. Assim, vivendo no Espírito, consagram a Deus a si e o próprio mundo.
b) Os leigos são profetas
O profeta é quem anuncia o amor de Deus, infunde esperança, propaga a fé, lembra que o sentido pleno da vida está em Deus, “para que brilhe a força do Evangelho na vida cotidiana, familiar e social” (LG, 35).
Na Carta Pastoral por ocasião do Jubileu de Ouro, escrevia a este respeito: “Evangelizando, os leigos cumprem a sua missão. Muitos leigos colaboram em diversas tarefas eclesiais: catequese, Ministros Extraordinários da Sagrada Comunhão, engajados nas pastorais e movimentos, membros dos conselhos administrativos e pastorais… Continuem a realizar esses trabalhos como até agora, com espírito de abnegação e serviço, com alegria e generosidade, sabendo que o Senhor mesmo lhes dará a recompensa”.
c) O serviço e a transformação da sociedade
Somos imitadores e discípulos de Jesus, que veio não para ser servido, mas para servir. Entre nós não deve ser diferente. Servir é a forma de viver a fé e o caminho para a santificação.
São numerosas as formas de servir, tanto na Igreja, como, e de modo especial, na sociedade. É na sociedade que realizamos a vocação de ser “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5, 13). Neste patamar, por vezes, o profetismo e o serviço se unem: defesa dos valores perenes inscritos na natureza do ser humano, dignidade do homem e da mulher, dignidade do corpo como templo do Espírito Santo, proclamação e defesa dos legítimos direitos da pessoa humana, compromisso com a defesa da vida, defesa da criação. Os leigos conjugam a sua fé com o exercício honesto da profissão, participação de organismos sociais, atuando na política, fazendo-se presentes nos círculos de discussão, especialmente lá onde as verdades fundamentais possam ser ameaçadas. Com simples gestos cotidianos, p. ex., no trânsito, caótico e violento, dar a prioridade a quem não tem paciência, com serenidade e serviço.
Diante do momento crítico que atravessa o nosso País, o profeta busca o equilíbrio, sem se deixar dominar pelas posturas extremas nos movimentos populares e políticos, analisando com calma o que é melhor para toda a sociedade a curto e longo prazo. Levanta a voz contra os gritantes abusos de poder por parte dos governantes, contra a corrupção que corrói tanto os políticos como também os nossos pequenos ou grandes atos cotidianos. Busca a reconstrução dos valores éticos e morais. Dá apoio a justas reivindicações, sem, contudo, participar do prejuízo que os excessos podem causar a toda a população. A este respeito, os Bispos do Brasil escreveram na recente nota acerca do atual momento nacional: “A crise é grave e pede soluções justas. Contudo, “qualquer solução que atenda à lógica do mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e se desvia do caminho da justiça” (CNBB, 10/03/2016). Nenhuma solução que se utilize da violência ou prejudique a democracia pode ser admitida como saída para a crise. É necessário cultivar o diálogo que exige humilde escuta recíproca e decidido respeito ao Estado democrático de direito, para o atendimento, na justa medida, das reivindicações”.
Permitam-me formular a seguinte constatação: se o poder emana do povo, há risco que a corrupção emane também do povo. Nas próximas eleições tenhamos muita atenção a não cometer os erros do passado. O voto é a arma do cidadão. Não sejamos passivos na análise das propostas eleitorais. Mudemos o quadro da classe política, eliminando, pelo voto, os corruptos e elegendo os políticos que honram a Pátria, o povo, a democracia, embora ainda não perfeita, mas que, amadurecida, é a melhor via para desenvolvimento, igualdade, bem-estar, prosperidade e paz.
d) Em estreita comunhão com a hierarquia
Os leigos, por sua índole batismal são eles mesmos sujeitos da evangelização. No entanto, tal função deve ser exercida em estreita comunhão com a hierarquia. Cito ainda mais uma vez o Concílio Vaticano II: “Aceitem os leigos prontamente em obediência cristã o que os Pastores sagrados, enquanto representantes de Cristo, como mestres e reitores determinam na Igreja. Sigam nisso o exemplo de Cristo que por sua obediência até a morte abriu a todos o abençoado caminho da liberdade dos filhos de Deus” (LG, 96). “Os sagrados Pastores, porém, reconheçam e promovam a dignidade e a responsabilidade dos leigos na Igreja” (LG 97).
Tenhamos a unidade da Igreja como dom precioso. Refiro-me aos perigos contra a fé e a boa fama da Igreja nos dias atuais. A concórdia constrói, a discórdia destrói, diz o velho provérbio. Arrastados pela cultura relativista, de rápidas mudanças e conquistas tecnológicas e pelo anonimato ou falsa liberdade de expressão nas redes sociais somos sujeitos à desinformação e manipulação, também nos assuntos da Igreja. Meias verdades, fatos e palavras tiradas do contexto, apresentadas com habilidade e sutilidade desestabilizam a fé e a confiança de muitos fiéis, semeiam dúvidas e causam sérios estragos. Tenhamos o devido senso crítico, mesmo se às vezes as informações se revestem de roupagem mais fidedigna possível. É o perigo que pode vir de dentro da Igreja, de pessoas que não agem com verdadeiro amor à Igreja e, por vezes, movidas por motivos ideológicos.
O outro fator ao qual quero me referir é o espírito de perseguição contra os cristãos, e contra a Igreja Católica de modo especial, vigente no mundo, mas também fortemente presente no Brasil. Ele vem do abuso do poder das instituições da sociedade civil, da mentalidade preconceituosa disseminada no sistema educacional, da atuação dos meios de comunicação que venenosamente transformam a suspeita ou simples acusação em fatos reais, nutrem-se como abutres das fraquezas de representantes da Igreja, criam sensacionalismo tendencioso, como se a Igreja fosse a única instituição onde acontecem as fraquezas humanas. Naturalmente, a Igreja reconhece as fraquezas dos seus membros e por elas pede perdão e toma sérias medidas de correção. O mundo, porém, não sabe o que é pedir perdão e dar perdão e cria uma espécie de cortina de fumaça, protegendo e escondendo a própria podridão.
Que a Santíssima Eucaristia, excelso Sacramento do amor, adorada e dignamente recebida por nós, nos confirme e nos fortaleça sempre na fé, na fidelidade e no amor à Igreja.
Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!
+ João Wilk, bispo de Anápolis