1. A Palavra de Deus, ou seja a Revelação
2. A fé
3. O homem
4. Cristo
5. Deus
6. Conclusões
Apesar de o nome “teologia” apontar nitidamente para Deus como o “objeto” da teologia (“objeto” entre aspas, visto que falar e escrever sobre Deus pessoal como objeto desperta justificadas restrições), o objeto dessa área do conhecimento pode ser abordado de diversas formas. As mais freqüentemente citadas são as seguintes:
1. A PALAVRA DE DEUS, OU SEJA A REVELAÇÃO
O trabalho do teólogo encaminha-se para a Sagrada Escritura, a fim de interpretá-la corretamente e extrair dela a mensagem da salvação. Durante séculos os livros da Sagrada Escritura têm sido objeto de explanações universitárias. O comentário do texto bíblico era acompanhado pela explicação de questões dogmáticas, morais, ascéticas e jurídico-canônicas. Os grandes escolásticos utilizavam-se igualmente das expressões “ensinar a Sagrada Escritura”e “ensinar a teologia”. “Trabalhar com a Sagrada Escritura” (laborare in sacra Scriptura) significava “praticar a teologia”. A teologia é chamada também de conhecimento que busca compreender a Revelação – intelligentia revelationis. Os teólogos protestantes, relativamente com mais freqüência que os teólogos de outras confissões cristãs, chamam a teologia de Offenbarungstheologie, ou seja, Teologia da Revelação. Essa definição pode ser encontrada igualmente na moderna teologia católica.
A beleza dessa abordagem do objeto da teologia encontra-se na concentração do trabalho do teólogo na Sagrada Escritura. Desperta restrições o perigo de reduzir a teologia ao conhecimento de um só livro e a um empobrecedor biblicismo, bem como à coisificação da teologia. Pode ser-lhe assegurado por exemplo o personalismo?
2. A FÉ
A partir dos Padres da Igreja, através da Escolástica até os nossos tempos, repete-se a definição da teologia como conhecimento da fé: scientia fidei, intellectus fidei, e a partir de S. Anselmo a definição de “fé que busca a compreensão” – fides quaerens intellectum23. Ultimamente E. Schillebeekx abordou a definição do objeto da teologia como sendo o conteúdo da fé. O primeiro caderno da nova revista bimensal de teologia “Credere oggi” (Pádua 1980), dedicado inteiramente à concepção da teologia, traz o título La teologia scienza della fede. Nos manuais a teologia é definida algumas vezes como “conhecimento metódico do conteúdo da fé” (A. Kolping).
O lado positivo dessa abordagem é o seu universalismo. O objeto das pesquisas teológicas amplia-se da Sagrada Escritura, e até das fontes teológicas objetivizadas não inspiradas, para o acontecimento da fé no homem e na comunidade; abrange tanto a fé objetiva (fides quae creditur), como a subjetiva (fides qua creditur). Com isso o objeto das pesquisas teológicas se enriquece com o elemento personalista. Uma falha dessa proposta continua sendo a abordagem um tanto material do objeto, que é entendido sobretudo como as verdades da fé.
3. O HOMEM
Sem cometer a insensatez de colocar o homem no lugar de Deus, o homem pode ser reconhecido no entanto como “objeto” da teologia. Entende-se por “homem” também a comunidade dos crentes, e mesmo toda a comunidade humana. Porquanto, se aceitarmos que Deus realizou a obra da criação, da Revelação e da correção – pelo homem, propter nos et propter nostram salutem, podemos também aceitar a proposta de o homem ser reconhecido como objeto da teologia. Se o considerarmos no contexto da história da salvação e no mundo da Palavra Divina, isso não será prejudicial nem à posição de Deus, nem ao significado do Deus-Homem. Partindo dessa premissa, os autores do Catecismo holandês fizeram uma tentativa interessante de construir uma exposição da fé e da teologia católica colocando como que no centro dos interesses justamente o homem. Seguindo nitidamente o exemplo do mencionado catecismo. o pe. Granat iniciou a exposição da teologia dogmática no manual Em direção ao homem e a Deus em Cristo não por um tratado a respeito de Deus, Uno na Trindade de Pessoas, mas pelo problema do homem.
Uma tal abordagem do objeto da teologia vai ao encontro das modernas sensibilidades antropológicas. Possui também, indubitavelmente, valores didáticos. No entanto, preocupa pelo afastamento da tradição e por uma talvez exagerada humanização da teologia.
4. CRISTO
Apesar do seu nítido teocentrismo e da sua sensibilidade à categoria da história da salvação, ou talvez justamente por isso, S. Agostinho enfatizou de forma radical o cristocentrismo da teologia: “Não existe outro mistério de Deus fora de Cristo” (Non est enim aliud Dei misterium nisi Christus)24. Na Idade Média, nitidamente teocêntica, alguns teólogos (Roberto de Melun +1167 e Roberto Grosseteste +1253) apontavam como objeto da teologia o Cristo todo, isto é, Cristo como Cabeça e membros, ou Cristo com a Igreja triunfante e militante, como então se dizia, ou ainda – Cristo como Esposo e Esposa.
Em relação com a renovação da teologia pastoral no século XX, considerava-se que o reconhecimento de Cristo como objeto da teologia seria útil ao querigma. No período conciliar, muitos teólogos, entre os quais K. Rahner e H. Urs von Balthasar, apoiaram essa tendênca, que também encontra apoio no Concílio Vaticano II, que, falando da formação para o sacerdócio, recomenda “uma melhor abertura das mentes dos seminaristas ao mistério de Cristo, que penetra toda a história do gênero humano” (DFS 14).
Na sua síntese pós-conciliar da teologia dogmática (Em direção ao homem e a Deus em Cristo), o pe. Granat optou por uma síntese cristológica do teocentrismo e do antropocentrismo, o que deixou claro no título. Mas ao abordar diretamente o objeto da teologia, deu primazia à Revelação25. Opta mais radicalmente por Cristo como objeto da teologia o pe. A. Nossol. Ele o faz com a convicção de que dessa forma fica bem enfatizada a importante verdade de que em Cristo obtivemos a mais completa Epifania de Deus, e o teocentrismo clássico recebe no cristocentrismo a sua expressão mais cristã.
5. DEUS
No entanto a concepção mais freqüente é que Deus é o “objeto” da teologia e que – por conseguinte – toda a teologia deve assumir a estrutura: “De Deus – para Deus”, o que é levado em consideração pelos manuais tradicionais, que partem de Deus in se (tratado de Deus na Santíssima Trindade) e terminam em Deus que aceita o homem como Remunerador e Realizador final.
6. CONCLUSÕES
Os partidários das mencionadas propostas não as tratam geralmente de forma exclusiva ou alternativa: “apenas a minha abordagem”, “ou-ou”. Adotam uma posição semelhante os teólogos poloneses, que nos últimos anos demonstram um significativo interesse por esse tema, que tem sido discutido em simpósios e sobre o qual escreveram bastante: Granat, Nossol, Kaminski, Majka, Bartnik, Zuberbier. Na opinião de Bartnik, constituem objeto da teologia: a Revelação, como objeto primordial; a fé, como objeto unificador; o querigma, como objeto comunicante. O objeto direto são as sentenças reveladas (da fé e do querigma), mas elas refletem toda a realidade. A teologia “se relaciona sobretudo com a realidade divina, e somente de forma acessória trata do homem no seu relacionamento com Deus”. Bartnik considera como a mais acertada a posição da Igreja Oriental: “A mais acertada parece ser a posição sintética, representada há muito tempo pela Igreja Oriental, segundo a qual as respostas unilaterais desfazem a realidade da Divindade-Humanidade de Jesus Cristo, em que Deus e o homem se confundem num só ser pessoal. Não existe uma verdadeira teologia de Deus sem a doutrina a respeito do homem, e não existe uma verdadeira teologia do homem sem a doutrina a respeito de Deus. Toda teologia tem um caráter divino-humano”.
Diante da necessidade de tomar uma decisão em favor da idéia que domina e organiza o conjunto do material, p. ex. num manual de teologia, vale a pena – apesar de tudo – optar pelo teocentrismo. Seguindo a grande tradição do cristianismo, repetimos: “Deus é o ‘objeto’ dessa ciência”. Entretanto isso não significa que, ao repetirmos, estejmos andando para trás ou deixando de seguir em frente. Afinal as justas tendências da modernidade devem enriquecer o nosso teocentrismo: tanto o apelo pela abordagem histórico-salvífica, pela nítida colocação de Cristo no centro dos mistérios cristãos, como a necessidade de um avanço na problemática antropológica. O Deus que escolhemos como “objeto” da nossa teologia distingue-se sensivelmente do Deus dos grandes escolásticos. O “objeto” da teologia de Tomás era Deus como Deus (Deus sub ratione Dei), de Boaventura – Deus como primeiro princípio (primum principium), de João Duns Escoto – Deus como ser infinito (ens infinitum), ao passo que para nós o “objeto” da teologia é o Deus histórico-salvífico, ou o Deus que se manifesta na história da salvação, que se revela sobretudo e se oferece no acontecimento de Jesus Cristo, graças ao qual o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó é o Deus-conosco.
Isso não significa, evidentemente, que o biblista não possa considerar o texto da Bíblia como o seu “objeto”, da mesma forma que o patrólogo dos escritos dos Padres, o historiador dos dogmas – os grandes textos do magistério da Igreja, o dogmatista de Cristo, o fundamentalista da Revelação e da Igreja, o jurista da Igreja – a sociedade que exige a ordem, etc. Mas tudo num determinado sentido – sub aliquo respectu: enquanto Deus envolver tudo como “objeto” universal e integrador. Portanto, que continue novamente à moda antiga: “Deus é o ‘objeto’ desse conhecimento”.