Diocese de Anápolis

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“O Missal de sempre”

Uma síntese sobre a tradução da terceira edição típica do Missal, com adaptações para a realidade brasileira

Após um esforço colegiado de quase vinte anos de trabalho árduo, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) aprovou em Assembleia o texto oficial do Missal Romano, traduzido a partir da terceira edição típica de 2002. O Missal começou a ser entregue às dioceses no mês de setembro e apresenta algumas atualizações muito próprias e consideráveis para valorizar ainda mais a celebração do Culto Divino em sua nobreza, simplicidade e continuidade pelos séculos.

Já nos áureos tempos do Sagrado Concílio Vaticano II (CVII), a Santa Mãe Igreja demonstrou a importância da Liturgia para o exercício da fé dos cristãos. Fato que marca a aprovação da primeira Constituição Dogmática do CVII: Sacrossantum Concilium, de 4 de dezembro de 1963. São Paulo VI, ao aprovar as sagradas letras desta Constituição, resume em seu preâmbulo aquilo que era a sede da Igreja naquele tempo ao dizer que “A Liturgia, pela qual, especialmente no sacrifício eucarístico, «se opera o fruto da nossa Redenção» (1), contribui em sumo grau para que os fiéis exprimam na vida e manifestem aos outros o mistério de Cristo e a autêntica natureza da verdadeira Igreja, que é simultaneamente humana e divina, visível e dotada de elementos invisíveis, empenhada na ação e dada à contemplação, presente no mundo e, todavia, peregrina, mas de forma que o que nela é humano se deve ordenar e subordinar ao divino, o visível ao invisível, a ação à contemplação, e o presente à cidade futura que buscamos (2). A Liturgia, ao mesmo tempo que edifica os que estão na Igreja em templo santo no Senhor, em morada de Deus no Espírito (3), até à medida da idade da plenitude de Cristo (4), robustece de modo admirável as suas energias para pregar Cristo e mostra a Igreja aos que estão fora, como sinal erguido entre as nações (5), para reunir à sua sombra os filhos de Deus dispersos (6), até que haja um só rebanho e um só pastor (7)” (SC, 2).

Ao contrário do que dizem muitos grupos de posições extremas, o CVII não promoveu uma revolução na Sagrada Liturgia, mas antes aprimorou-a, levando a cabo intentos que já haviam sido iniciados na própria reflexão teológica da Igreja desde o Concílio Tridentino, por exemplo. Ao se considerar o Missal de São Pio V, por exemplo, facilmente nota-se que o rito da Santa Missa era estranho para o povo, de modo que o ordo missae (rito da missa) era feito de tal modo que não favorecia a participação dos fiéis em seu ritmo.

Foi São Pio X, que promoveu a mais profunda e significativa mudança na Liturgia. Eliminando, por exemplo, a memoria de vários Santos do Calendário Universal. Esta reforma foi, ad tempus, confirmada por Bento XV. São Pio XII prosseguiu com a reforma das celebrações da Semana Santa, para favorecer a mistagogia e a participação dos fiéis na atualização do mistério da Redenção e essa, dizem os grandes liturgos, foi “a mais profunda reforma Liturgia do século”. Seguindo estes santos e veneráveis pontífices, bem como toda a tradição apostólica dos séculos anteriores, o CVII apenas colocou algumas coisas no devido lugar e reservou ao Vigário de Cristo o poder de reformar a Liturgia com a formação de comissões litúrgicas. Isto fez com que o rito da missa deixasse de ser estranho para o povo e favorecesse enfim sua participação ativa e consciente, como mesmo os apóstolos o fizeram ao redor da mesa da última ceia.

É preciso compreender, antes de conhecer a reforma do Missal, que a Liturgia, fonte e ápice de toda vida cristã, é de tal modo singular na vida dos fiéis que tem o poder de rasgar os véus do tempo e quebrar a cronologia da história. Assim sendo, ao entrarmos em uma igreja, seja ela uma simples capela ou uma inominável Catedral Romana, entramos no Calvário, estamos aos pés da cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo e, com a Virgem Santíssima, São João e as mulheres que ali estavam, tornamo-nos contemporâneos do mistério da Redenção. Como, então, não deviam se dedicar os teólogos, com o poder a eles confiado pelo Sumo Pontífice, a promover uma Liturgia onde pudéssemos de fato viver tão eficaz privilégio de modo ativo e profícuo? Tendo clara a importância do Culto Divino para a vivência da verdadeira fé, entendemos sua singularidade e tomamos consciência de que ali não há um lugar de protagonismo humano, nem do sacerdote e nem do fiel, tampouco espaço para firulas, mas sim, um espaço para a celebração da Missa de Cristo, só Dele e de ninguém mais.

O Missal que hoje recebemos não é um novo livro litúrgico, não é um novo Missal, é antes o Missal de sempre, aquele de Paulo VI com algumas revisões e uma melhor tradução, fiel ao texto latino. A 3ª edição típica do Missal Romano é um fruto maduro do CVII, e de todos os seus desdobramentos históricos desde sua primeira sessão até a revisão das normas, empenhadas por São João Paulo II em 2002, é fruto da escuta eclesial e da leitura da Escritura. Por ser algo tão sagrado e singular nas celebrações, foi necessário um embelezamento do Missal, que o deixa agora mais imponente e digno do grande mistério que coaduna. Não é apenas um manual prático, um livro de normas, mas um livro de oração para o sacerdote e para os fiéis, sem o qual não se celebra a Missa da Igreja.

Esta edição do Missal recupera toda a riqueza da tradição que foi sendo perdida com os séculos. Sem considerar que exista uma parte melhor ou pior da história, ou ainda que há uma Santa Missa mais ou menos efetiva no desdobramento dos tempos, este Missal rompe com os preconceitos tomando como principio a Verdade e o que funcionou ao longo da história, dispensando o discurso dos homens e valorizando o cerne da vivencia da fé em todos os tempos, povos e nações. No Missal recebemos a reforma litúrgica de modo seguro e límpido, descontaminado das ideologias e vontades próprias. Não se trata aqui de uma apologia sangrenta de um ou outro fato, ou ainda de um laxismo histórico, mas antes de uma síntese da vivência do próprio Cristo.

A tradução da terceira edição típica do Missal promove uma missa oracional, que entende que a alegria da Ressureição passa pela meditação da Cruz e do Sepulcro do Senhor. Seguindo-se à risca o que espera a Santa Igreja na celebração do Culto Divino, tornar-nos-emos epifania do mistério celebrado, sendo presença de Cristo, após a comunhão, no mundo por onde vamos enviados. Nunca foi interesse de qualquer reforma litúrgica criar livros, pelo simples fato de fazê-lo, mas de levar os livros da tradição à perfeição e a eficácia que atenda as necessidades do tempo.

Ao receber em nossas paróquias o Missal Romano em sua nova edição, devemos entender que estamos recebendo um livro de oração, que é instrumento essencial para restabelecer aquela autêntica relação hoje rompida, sobretudo nas ultimas gerações, entre aquilo que se reza, o que se conhece e aquilo que se vive. É necessária para a qualidade da fé uma relação entre aquilo que a Liturgia transmite e aquilo que o cristão é chamado a viver.

Sem a Liturgia, a vida cristã corre o risco de constantes desvios e em particular o desvio do individualismo da fé, isto é, de um crer que, na realidade, não é outro que a justaposição de crendices pessoais. Sem a assiduidade à celebração comunitária do ato de fé, a fé se reduz à gnose que entre o cristão à ideologia espiritual, ou seja, àquele conjunto de representações intelectuais e de significados que não se verificam, não se medem com a fé da Igreja.

Na fidelidade à Liturgia bem celebrada, entendem os sacerdotes seu verdadeiro papel, que é o de “servidor da Liturgia e não o seu inventor nem o seu produtor; tem uma responsabilidade particular, a fim de não desvirtuar a Liturgia do seu verdadeiro significado ou obscurecer o seu caráter sagrado” (São João Paulo II, Discursos, 9/10/1998).

Mas o que o Missal apresenta de novo?

  1. Com o fim de explicitar o dinamismo trinitário do mistério, a conclusão da Oração Coleta de cada Santa Missa, cujo o texto se direcionar ao Pai, foi traduzida literalmente do latim, apresentando-se da seguinte forma: “[…] Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, que é Deus, e convosco vive e reina, na unidade do Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos”.
  2. No ciclo Cristológico, acrescentou-se alguns formulários próprios:
    • Ciclo do Natal: no tempo do advento foram acrescentadas as missas para os dias de semana, apresentando formulário completo para cada dia. No tempo do natal, foi adicionada à celebração da Epifania do Senhor uma Missa da Vigília.
    • Ciclo da Páscoa: no tempo da quaresma foi adicionada a oração sobre o povo desde a quarta-feira de cinzas até a missa da quarta-feira da Semana Santa (quase todas estas orações foram retiradas do Missal de Pio V). No tríduo pascal, substitui-se o termo “homens escolhidos” por ‘as pessoas escolhidas”, na rubrica da missa de Lava-pés. Para o tempo pascal foram adicionadas missas para os dias da semana, com formulário próprio para cada dia. Há, por fim, um novo texto para o anuncio da Páscoa na Epifania do Senhor.
  3. No Ato Penitencial se diz agora três vezes o minha culpa, em atenção ao que versa o confiteor em seu texto latino: […] minha culpa, minha culpa, minha tão grande culpa…
  4. Na festividade dos Anjos e de São José, fora adicionado seus prefácios próprios correspondentes.
  5. Foram mantidos os dez prefácios acrescentados à 2ª edição típica, aos quais se somam doze novos prefácios (incluindo para os Santos Doutores da Igreja).
  6. Nas Orações Eucarísticas se atentou à aclamação memorial, que agora se dá de três modos: Mistério da fé, Mistério da fé e do amor, Mistério da fé para a salvação do mundo. Cada uma das três aclamações possui uma resposta própria para os fiéis. Nas Orações Eucarísticas II, III e IV, foi adicionado o nome de São José, esposo de Maria, cuja menção deve ser feita deste modo, sem adição de nenhum outro adjetivo como castíssimo, obedientíssimo etc. A Oração Eucarística I, ou Cânon Romano, recebeu a adição de um comunicante próprio para as celebrações dominicais, o mesmo ocorreu na Oração Eucarística II, que, a partir desta nova edição, permite também a menção nominal do santo do dia ou padroeiro, permissão que antes se dava apenas na Oração Eucarística III. Houve uma mudança textual na ultima aclamação da Oração Eucarística V, que agora se dá da seguinte forma “E a todos nós, aqui reunidos, que somos povo santo e pecador, dai-nos a graça de participar (não mais construir) do Vosso Reino que também é nosso”. Na conclusão da doxologia houve alteração do texto para a fidelidade ao original, “[…] toda honra e toda glória, por todos os séculos dos séculos”.
  7. No Rito da Comunhão, foram adicionados novos convites à oração do Pai-Nosso, bem como foi revista sua doxologia, que agora conclui da oração: “[…] e protegidos de todos os perigos, enquanto aguardamos a feliz esperança e a vinda do nosso salvador, Jesus Cristo”. A oração da fração do Pão, dita em segredo pelo sacerdote, também foi revista a apresenta novo texto, fiel ao latino: “[…] pela vossa morte destes vida ao mundo, livrai-me por este vosso santíssimo Corpo e Sangue dos meus pecados e de todo o mal, dai-me cumprir sempre a vossa vontade…”.
  8. Ao ordinário da missa foram adicionados novos elementos, tais como: formulários de missa para as diversas circunstâncias (nos aniversários de casamento, pela família, pelos religiosos em seu jubileu, pelas vocações à vida religiosa e às ordens sacras, para pedir a castidade e em qualquer necessidade); a nomenclatura de Nossa Senhora, onde quer que seja feita, deve obedecer sempre o fixado Bem-aventurada virgem Maria de [Lourdes, Fátima, Guadalupe etc.], exceto na celebração do dia 12 de outubro.
  9. No calendário dos santos foram adicionados alguns formulários e memórias: Santíssimo Nome de Jesus (3 de janeiro), Santa Josefina Bakhita (8 de fevereiro), São Gregório de Narek (27 de fevereiro), São João de Ávila (10 de maio), Bem-aventurada Virgem Maria de Fátima (13 de maio), São Paulo VI (29 de maio), São José de Anchieta (9 de junho), Santo Agostinho Zhao Rong e comp. Mártires (China, 8 de julho), Santa Paulina do Coração Agonizante de Jesus (9 de julho), Festa da Bem-aventurada Virgem Maria do Carmo (16 de julho), Bem-aventurado Inácio de Azevedo e comp. Mártires (17 de julho), Festa de Santa Maria Madalena (22 de junho), São Charbel Makhluf (Líbano, 24 de julho), Santa Dulce Lopes Pontes (13 de agosto), Santos Irmãos Marta, Maria e Lázaro (29 de agosto), Santa Teresa Benedita da Cruz (9 de agosto), Santíssimo Nome de Maria (12 de setembro), Santa Hidelgarda de Bingen (17 de setembro), São Pio de Pietrelcina (23 de setembro), Santos André de Soverval, Ambrósio Francisco Ferro, presbíteros, Mateus Moreira, leigo, e comp. Mártires (3 de outubro), São Benedito, o Negro (5 de outubro), Santa Faustina Kowalska (6 de outubro), São João XXIII (11 de outubro), Nossa Senhora Aparecida (12 de outubro), São Pedro de Alcântara (19 de outubro), São João Paulo II (22 de outubro), Santo Antônio de Sant’Ana Galvão (25 de outubro), São Roque González, Santo Afonso Rodríguez e São João del Castillo (19 de novembro), Santa Catarina de Alexandria (25 de novembro), São João Diego (9 de dezembro), Bem-aventurada Virgem Maria de Loreto (10 de dezembro), Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe da Igreja (segunda-feira após Pentecostes).
  10. Além de todas estas disposições objetivas, o Missal reforma a mistagogia de alguns gesto sacerdotal, como objetivo de favorecer a participação dos fiéis, como por exemplo: na apresentação das ofertas não se deve erguer tão alto o pão e o cálice; na consagração, deve-se elevar o Corpo e o Cálice na altura dos olhos, pois ali se mostra ao povo que está a frente do padre, não acima dele; na doxologia segurar alto a Hóstia e o Cálice, pois ali Jesus se oferece ao Pai; após a fração do Pão não se deve unir de tal modo as duas partes da Hóstia que o povo não veja que foi fracionada e na distribuição da comunhão, elevar a Hóstia até a altura dos olhos, para que os fiéis contemplem o que irão receber.
Texto: Marcos Vinícius Santana / Imagem: Reprodução.
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