Queridos, em Cristo, Irmãos e Irmãs.
Queridos Ordenandos.
São João no seu Evangelho, cap. 15, vers. 15 e 16, nos traz as seguintes palavras de Jesus:
“Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi do meu Pai. Eu vos escolhi e designei, para dardes fruto e o vosso fruto permaneça”. (Jo 15, 15-16).
Não servos, mas amigos.
As expressões servo e amigo em vários pontos se encontram e se identificam. No entanto, há uma diferença entre uma e outra atitude.
“Servo não sabe o que faz o seu senhor”, diz Jesus. É alguém que executa as ordens do patrão, sem saber e sem perguntar o porque disso ou daquilo. Não tem direito para isso. Não recebe as confidências do patrão. Nem o patrão quer saber das confidências dos seus servos. Entre os dois há uma relação de contrato, serviço contratado que será remunerado, justa ou injustamente.
Nos dias atuais poderíamos definir o “servo” como “funcionário” ou “empregado”. É comum no nosso ambiente sacerdotal ouvir a advertência de não sermos “funcionários do sagrado”. Significa tornar-se executor frio e sistemático das coisas sagradas, sem muito vínculo com a alma daquilo que faz. Distingue a vida pessoal e a vida pastoral, muitas vezes discordantes entre si. Vive o seu sacerdócio apenas em nível funcional. Não serve, mas presta serviços.
Existem momentos em que Jesus pede dos discípulos a condição de servos. No entanto, a sua compreensão de serviço é diferente de como este termo é compreendido nas relações do trabalho ou concordatas. Jesus fala da “diaconia”. A diaconia foi característica singular das primeiras comunidades cristãs e testemunho de sua fé por meio da vivência solidária. (At 2,44-45; 4,32-35). A comunidade sabia que se um membro sofre todos sofrem com ele (1 Cor 12,26). A atitude de servir se baseava no amor a Jesus, não numa obrigação de preceito.
A amizade é um vínculo interpessoal, quase na igualdade de nível de consideração. A amizade é um dom precioso e gratuito, tanto em nível humano como espiritual. O Livro de Eclesiástico diz: “quem encontrou um amigo, encontrou um tesouro” (Ec 6,14). O tesouro é que a amizade verdadeira é rara. O tesouro é porque ninguém vive sozinho, não é guia de si mesmo. A cada momento precisamos de alguém de confiança para confidenciar as nossas mais variáveis coisas. Tesouro é, porque um amigo nunca trai a nossa confiança e a nossa confidência, não “nos deixa na mão”. E como é doloroso perder uma amizade!
Como é a amizade a modo de Jesus?
Jesus é o modelo de amizade verdadeira. Ele viveu a sua amizade com diversas pessoas: seus pais Maria e José, com a família de Lázaro, Marta e Maria, com os Apóstolos, especialmente Pedro, Tiago e João, com Maria Madalena etc.
A amizade implica na recíproca confiança e confidência. Portanto, é selada pela compreensão, acolhida do outro como é e querer deixá-lo melhor, sem agredir a sua dignidade e a sua liberdade. A amizade não é companheirismo. Às vezes estamos nos divertindo, brincando com as pessoas no círculo qualquer, manifestamos a nossa alegria e a nossa descontração. Somos os “good fellow” – bons companheiros. E na realidade, com a nossa descontração mascaramos o nosso verdadeiro estado de espírito, muitas vezes marcado e machucado pelos sofrimentos, medos, decepções, fracassos, de não saber lidar com os próprios defeitos. Confidenciamos estas coisas apenas a quem já nos conhece e nos quer bem de verdade.
Ouvimos no texto citado acima: “Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi do meu Pai”. Jesus confidencia a eles o mais precioso conhecimento que tem, o conhecimento do Pai. Abre-se para os Apóstolos e os enriquece com a sua identidade. Mostra a eles o seu universo divino.
A amizade consiste em responsabilidade perante o outro. Ninguém confia ao amigo as suas coisas pessoais, sabendo que elas não ficarão só ao conhecimento e compreensão do outro. O amigo torna-se como que guardião da privacidade do outro. Responsável não somente em guardar o segredo, mas recebe como uma missão ajudar o outro para si tornar melhor,
A amizade consiste na comunhão de vontades. Querer o que o outro deseja, ser solícito a fazer o que o outro precisa, espontaneamente, mesmo sem o pedido de ajuda. É uma “santa solicitude”, “santa preocupação” em relação com o amigo. “Bem-aventurados os aflitos”, significa não os deprimidos ou preocupados à toa, mas os que sentem com a sorte dos outros, sofrem porque outros sofrem, sofrem porque a vontade de Deus não está sendo cumprida. Os profetas, de ontem e de hoje, são amigos de Deus porque conhecem o seu plano e olhando para a realidade percebem que as coisas não estão indo como Deus quer. Sofrem com isso. Desejam, então, fazer algo para consertar esta situação. Daí surgem grandes obras apostólicas ou grandes feitos na área da educação ou da caridade. São corajosos, porque tem força da solicitude que não vem da própria vaidade, mas do apoio amigo de Deus.
No ato de manifestar a sua dificuldade ao amigo encerra-se o pedido de ajuda. O povo usa esta expressão: “o seu pedido é uma ordem para mim”. Jesus diz: “vós sois meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando”. Nós seremos seus amigos se o amarmos como ele nos amou, se respondermos na mesma medida do seu desejo: passarmos pelo mundo fazendo o bem como Ele fez.
A amizade com Cristo coincide com o terceiro pedido do Pai nosso: “Seja feita a vossa vontade”. Querer o bem a Jesus, ser amigos de Jesus é amar o que Ele ama. Isto significa na vida sacerdotal ter zelo espontâneo pelas coisas de Deus, cuidados pelas coisas sagradas e uma “saída pastoral” ou seja fazer com disposição os atos que são de Jesus no ministério sacerdotal: atender bem as pessoas que se aproximam de nós e pedem a nossa orientação, ter tempo suficiente para elas etc. É ter atitude de caridade em relação com os pobres, desamparados, rejeitados, sentir com aqueles a quem o mundo rejeita. A caridade brota da fé. Estas duas coisas caminham juntas e são inseparáveis. É levar com alegria a fé, sem aquele “peso nas costas” – Aff, o quanto isso me pesa!
A amizade nos deixa livres. Livres em manifestar o que se pensa e livres em relação ao amigo. A característica da amizade é que somos pessoas que se confidenciam e dão apoio recíproco, mas isto não gera nenhum vínculo. Se começam surgir p. ex. ciúmes, é sinal de que o limite de amizade foi ultrapassado. A amizade livre não é possesiva. Se é possesiva, é porque surgiu outro sentimento. O único “santo ciúme” é aquele que Deus tinha com o seu povo: de não querer que o povo se perca nas garras do paganismo. O ciúme de amigo é aquele zelo com que o outro não se perca, não erre, não coloque em perigo a sua integridade humana e espiritual.
É bom refletir sobre a cena quando Jesus comenta a necessidade de ir a Jerusalém para sofrer. Pedro, com aquela liberdade que se pode ter diante de quem se conhece e quer bem, protesta, dizendo que não aconteça isso com Ele. Jesus, com a mesma espontaneidade, lhe responde prontamente: vai para longe satanás, porque não pensas como eu penso. Pedro ainda não compreendeu que o desejo de Jesus era a salvação das almas, mesmo a custa do sofrimento e da cruz. E durante o processo que condenou Jesus, quando Jesus o olhou com aquele olhar de amigo, Pedro se arrependeu e sentiu a vergonha de ter negado que o conhece e é da sua companhia.
Outra cena da amizade é aquela que Jesus teve com a família de Lázaro, Marta e Maria. Quando Jesus chega na sua casa, Maria se senta para se encher com a felicidade do encontro com o amigo. Marta, para manifestar a sua preocupação com a preciosa visita, se dedica para satisfazer a sua sede ou fome. Num certo momento se dirige a Jesus: Senhor diga a Maria que me ajude. Com o mesmo tom de brincadeira que encerra a verdade, Jesus retruca: Marta, Marta tu te preocupas com muitas coisas, porém uma só é necessária.
Amigos de Jesus fazem-se servos por opção. Jesus mostrou que a atitude que espera deles é atitude de servir, ou seja a diaconia, que não é ser forçado a fazer certas coisas, mas colocar-se prontamente e espontaneamente em atitude de servir. Porque este é o desejo do Amigo Jesus.
Caríssimos Ordenandos, terminou para vocês o tempo do Seminário. Neste tempo vocês viviam como que um período de gestação: longa e paciente preparação. Vocês sabem como foi! Viviam como os Apóstolos na vigília do Pentecostes: medrosos, receosos se é isto que eu quero, se Deus me quer de verdade. Quando veio o Espírito Santo, os Apóstolos, corajosos entusiasmados, partiram para o mundo afora. Cada um sabia o que fazer e como fazer. O Espírito Santo estava sempre com eles. Para vocês chegou o tempo de iniciar a viver a vida de sacerdotes. A amizade de Jesus como eles e deles com Jesus estava confirmada, selada. Vocês são carimbados na amizade com Jesus pela graça do sacerdócio. Não tenham medo. Ordenação vos qualifica para enfrentarem o mundo. Muitas surpresas vos esperam boas e ruins. Coisas que darão alegria e coisas que vos abaterão. Sentirão o peso das vossas fraquezas, vontade de desistir. Confiem na graça de Deus. Afinal, foi Ele que vos chamou e se comprometeu com vocês. Lembrem o que Deus falou ao Apóstolo São Paulo quando por três vezes clamou a Deus para que retirasse o “espinho na carne”, espinho de sofrimentos e contrariedade, quem sabe, uma fraqueza física ou espiritual: “Minha graça te basta” (2 Cor 12,9). É suficiente para nos sustentar, mesmo nos momentos mais difíceis. A graça de Jesus é mais poderosa que qualquer dificuldade. Significa que podemos ficar ainda mais fortes em Deus quando estamos fracos, porque descobrimos que a graça de Deus nos basta e não nos faltará.
Sejam fortes, determinados, procurem a ter uma amizade atualizada com Jesus e a sua graça não vos faltará.
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
+ João Wilk, Bispo Diocesano