MENSAGEM PASTORAL
ANO DA FÉ – 2012-2013
Anápolis, 11 de outubro 2012.
Ao Povo de Deus que peregrina na fé na Diocese de Anápolis.
No dia 11 de outubro de 2012 celebramos o início do Ano da Fé, proclamado pelo Papa Bento XVI. A ocasião para tão importante iniciativa é o aniversário dos 50 anos da abertura do Concílio Vaticano II e dos 20 anos da promulgação do Catecismo da Igreja Católica, um dos mais importantes frutos do Concílio.
1. Um Concílio é a reunião de todos os bispos da Igreja Católica convocados pelo Papa, Sucessor do Apóstolo São Pedro, para resolver questões da fé e da vida pastoral da Igreja.
O último Concílio foi o Vaticano II, celebrado em Roma, nos anos 1962-1965. Foi o mais importante acontecimento na vida da Igreja nos últimos tempos. A sua importância para a vida da Igreja se expressa nas palavras dos Papas desse período.
Bem resume este pensamento o pronunciamento do papa Bento XVI no início do seu Pontificado: “Desejo afirmar com vigor a vontade decidida de prosseguir no compromisso de atuação do Concílio Vaticano II, no seguimento dos meus Predecessores e em fiel continuidade com a bimilenária tradição da Igreja”. Dizia isto, citando o exemplo do Papa João Paulo II: “Com o Grande Jubileu (a Igreja) foi introduzida no novo milênio levando nas mãos o Evangelho, aplicado ao mundo atual através da autorizada, repetida leitura do Concílio Vaticano II. Justamente o Papa João Paulo II indicou o Concílio como “bússola” com a qual orientar-se no vasto oceano do terceiro milênio (cf. Carta apost. Novo millennio ineunte, 57-58). Também no seu Testamento espiritual ele anotava: “Estou convencido que ainda será concedido às novas gerações haurir das riquezas que este Concílio do século XX nos concedeu (17.III.2000)”. E concluía o pensamento: “Com o passar dos anos, os Documentos conciliares não perderam atualidade; ao contrário, os seus ensinamentos revelam-se particularmente pertinentes em relação às novas situações da Igreja e da atual sociedade globalizada”.
O Papa Bento XVI ainda nos diz: “Quero repetir com veemência as palavras que disse a propósito do Concílio poucos meses depois da minha eleição para sucessor de Pedro: ´Se o lermos e o recebermos guiados por uma justa hermenêutica, o Concílio pode ser e tornar-se cada vez mais uma grande força para a renovação sempre necessária da Igreja`” (Porta fidei, 5).
O Concílio desejava uma profunda renovação da Igreja, recorrendo à imitação do estilo de vida dos cristãos dos primeiros tempos e proclamando a imutável e sempre atual doutrina da salvação de forma acessível ao homem de hoje.
As principais intenções e propostas para tal propósito foram:
– papel central da pessoa de Jesus Cristo na História da Salvação;
– caráter litúrgico e comunitário do culto divino;
– Igreja como novo Povo de Deus, unido e fraterno;
– diálogo e corresponsabilidade de todos os batizados dentro da Igreja;
– colegialidade dos bispos da Igreja, em comunhão com o Papa;
– inculturação da fé;
– renovação das estruturas da Igreja.
Um dos pontos fortes foi a reforma litúrgica, realizada na trilha de “retorno às fontes”, buscando os sentidos mais amplos e mais profundos do mistério celebrado. Evidenciou mais claramente vários aspectos da Santa Missa, ampliou o uso da Palavra de Deus, valorizou e destacou a homilia, o aspecto catequético da Eucaristia, a participação ativa e frutuosa dos fiéis na celebração, uso da língua vernácula.
O Jubileu de Ouro do Concílio nos lembra o que o Papa Paulo VI dizia logo depois da sua conclusão: “A tarefa do Concílio Ecumênico não está completamente terminada com a promulgação de seus documentos. Esses, como o ensina a história dos Concílios, representam antes um ponto de partida que um alvo atingido. E preciso ainda que toda a vida da Igreja seja impregnada e renovada pelo vigor e pelo espírito do Concílio, é preciso, que as sementes de vida lançadas pelo Concílio no campo que é a Igreja cheguem á plena maturidade. Ora, tudo isso não poderá chegar a termo antes que o riquíssimo patrimônio legado pelo Concílio à Igreja tenha sido aprofundado cuidadosa e diligentemente pelo povo cristão, antes que este o conheça e realmente possua”.
Estamos, portanto, a caminho. Muitas coisas das quais falava o Concílio foram assimiladas nas nossas comunidades e pastorais. Resta, porém, a tarefa constante de conhecer melhor os documentos, para conhecer o espírito do Concílio e assimilar os seus desejos, para a renovação da Igreja e da nossa fé.
2. Nesta breve nota sobre o Concílio encontramos a motivação de proclamar o Ano da Fé, pelo Papa Bento XVI. Feliz e abençoada ideia!
Nós, Povo da Diocese de Anápolis, acolhemos com prontidão o que o Papa propõe para toda a Igreja. Assumimos o compromisso de fazer o que for possível para renovar e aprofundar a fé dos católicos, ativos e afastados, e suscitar a adesão a Jesus Cristo naqueles que ainda não conhecem os benefícios da sua graça salvadora.
3. “Eis o mistério da fé!” Esta exclamação que o sacerdote diz na Santa Missa, logo depois da Consagração, encerra tudo o que se pode dizer a respeito da fé: dom gratuito da graça e da salvação, total confiança e abandono em Deus a quem não se vê, acesso e participação no mistério pascal de Jesus Cristo, Senhor e Salvador. No Mistério Eucarístico celebramos a ação constante de Deus a nosso favor, o sacrifício redentor de Jesus Cristo, a comunhão que Deus oferece aos seus filhos. É a luz que ilumina o significado de toda nossa existência.
4. “Sem fé é impossível agradar a Deus!” (Hb 11, 6). A fé é uma virtude teologal, ou seja, de origem divina. É fruto da graça de Deus; não de raciocínio ou sabedoria humana adquirida nos livros. Pela fé nós conhecemos a Deus. Embora, de alguma forma aproximada, é possível conhecer Deus como causa e princípio de todas as coisas que existem; só pela fé podemos conhecer e viver em contato com Deus, ter certeza da sua existência, da vida sobrenatural, da eternidade. Diz o autor da Carta aos Hebreus: “A fé é a certeza daquilo que ainda se espera, a demonstração de realidades que não se vem. Pela fé compreendemos que o universo foi organizado pela Palavra de Deus, de sorte que as coisas visíveis provêm daquilo que não se vê” (Hb 11, 1-3). Pela fé conhecemos o verdadeiro sentido da vida e a razão da nossa felicidade plena. Sabemos que somos filhos(as) de Deus muito amados.
A fé é um estado de espírito voltado para o infinito, uma certeza interior e confiança filial. É uma espécie de linha direta que nos liga e nos coloca em contato permanente com a realidade sobrenatural e faz com que tudo que somos e fazemos seja orientado em vista de Deus. Pela fé reconhecemos a superioridade de valores e coisas espirituais sobre as coisas materiais e passageiras. É como disse Jesus: “Trabalhai não pelo alimento que perece, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará” (Jo 6, 27). Então, tudo se torna agradável a Deus.
5. “Eu creio, mas ajuda-me na minha falta de fé” (Mc 9, 24). Não raras vezes ouvimos as pessoas dizerem que fazem grande esforço na busca da santidade, mas sentem a fé muito fraca. Se a fé é graça de Deus, só Deus pode aumentá-la. Porém, Deus dá mais a quem busca mais. As pessoas seriamente comprometidas com a vivência da fé, cada vez que crescem na espiritualidade, quando se aplicam à prática da religião, suscitam dentro de si um desejo de algo mais. Não cabe a nós medir a fé com os nossos critérios humanos, mas esta percepção é, sem dúvida, justificada. Qual o caminho? Continuar na busca de avançar sempre mais na vida espiritual e exercitar-se nas virtudes, na vivência da Palavra de Deus, nas obras de religião e de caridade.
Nesse sentido vale a pena repetir que não se pode, nem se deve, confundir a fé com os sentimentos agradáveis, com elevações emocionais ou poderes especiais. Crer muito é aceitar como parte do nosso ser a certeza de que Deus nos ama em qualquer situação e circunstância. Muitos santos conheceram as chamadas noites escuras, tempo até prolongados de não sentir nenhum gosto ou prazer de estar em oração ou encontrar um agrado na alma. Santa Terezinha do Menino Jesus fala até que estes momentos de sentir aquela doçura espiritual são as “balinhas” que Deus dá, para depois lembrar-se de seu gosto doce e continuar a perseverar e a confiar na bondade de Deus mesmo que tudo ao redor se torne escuro e difícil. Crer é confiar. Crer é perseverar no amor.
6. “Se tiverdes fé do tamanho de um grão de mostarda, direis a esta montanha: ´Vai daqui para lá, e ela irá`. Nada vos será impossível” Mt 17, 20; cf. Mt 13, 31-32). A força da comparação que Jesus usa é surpreendente. A fé é poderosa. O ato mais pequeno de fé verdadeira pode produzir efeitos surpreendentes. Mas, como entender este poder? Como experimentá-lo? Pelos milagres que seríamos capazes de operar? Às vezes Deus permite isso. A vida dos santos mostra como Deus foi generoso com os que o amam ao ponto de lhes conceder o poder de fazer milagres. Então, nós que não conseguimos operar milagres, temos fé fraca? Mas, será que é isso que Jesus quis dizer?
Não podemos medir um ato de fé com efeitos grandiosos de ordem material. O poder da fé é relacionado ao Reino de Deus, à pregação do Evangelho, à força transformadora no sentido de conversão ou de superação das provações e tentações. A fidelidade aos pequenos princípios morais e religiosos, seguidos com coerência, aplicados com determinação, levam-nos a decisões e gestos grandiosos.
7. “Conhecereis a verdade, e a verdade vos tornará livres” (Jo 8, 32). A verdade é Jesus Cristo e o seu Evangelho. A verdade é todo o conjunto de verdades que Deus quis nos revelar, em vista da nossa vida digna, de sermos chamados filhos de Deus, em vista da nossa salvação. Chamamos este conjunto de verdades de doutrina da fé. O conhecimento da verdade, das coisas de Deus, nos dará a percepção mais clara de quem somos, qual é o nosso destino e onde buscar a felicidade plena.
Do conhecimento da doutrina depende a qualidade da vida na fé. O pouco conhecimento das coisas da religião faz com que a nossa fé seja superficial e fraca, sujeita a vacilações e até se perder diante dos desafios e dificuldades.
8. “A fé, se não se traduz em ações, por si só está morta” (Tg 2, 17). A Sagrada Escritura, quando fala da obra criadora de Deus usa a expressão “façamos” (cf. Gn 1, 26). Isso indica a laboriosidade em favor do outro. Também Jesus, Verbo de Deus encarnado, se fez homem por causa de nós. Costumamos definir as coisas existentes como “obras das mãos de Deus”. Deus “trabalhou” a nosso favor. Tanto o Antigo como o Novo Testamentos falam em abundância sobre a sensibilidade especial que Deus tem para com os fracos, desvalidos, marginalizados, indefesos. A história da Igreja é testemunha bem qualificada das numerosas obras de caridade, nas quais ela era pioneira. Muitas obras de missões nas terras não cristãs tinham como começo obras de educação e de caridade. A Igreja, desde o início, realizou a sua missão apoiada em três pilares: evangelização, culto divino e prática da caridade.
Unir a fé às obras é algo natural e inseparável; é tornar a fé visível. É grave a afirmação de São Tiago que a fé sem obras por si só é morta. Ter fé em Deus implica necessariamente na atitude de empenho concreto e eficiente em favor dos outros. “Crer com as mãos” ou “crer com gestos” foram expressões comuns dos missionários que vieram para as nossas terras para evangelizar e implantar as estruturas da Igreja.
É preciso cuidar, porém, para guardar uma justa ordem. Assim como a fé sem obras é inoperosa, as obras desprovidas da motivação da fé se tornam uma mera filantropia ou até infrutíferas. É importante afirmar que as obras devem brotar da fé como sua consequência necessária. A fé deve ser sempre a fonte principal de todo o engajamento do cristão a favor dos outros. Nos tempos atuais em que se experimenta não poucas vezes a crise da fé, o Papa Bento XVI nos adverte: “Sucede não poucas vezes que os cristãos sintam maior preocupação com as consequências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um pressuposto óbvio da sua vida diária. Ora, tal pressuposto não só deixou de existir, mas frequentemente acaba até negado” (Porta fidei, 2). Cuidar da fé para que surjam as obras e sejam sinal da nossa credibilidade e autenticidade cristã.
9. Olhemos a nossa realidade. Como e por quais caminhos a fé chegou até nós? Quais foram e quais são os meios da transmissão da fé na nossa realidade?
Com certeza, não é hora para análises mais aprofundadas. No entanto, torna-se importante, e até questão de justiça, mencionar algumas pessoas e fatos. Somos devedores a tantos e tantas pela fé que temos agora.
10. Segundo o testemunho do Cônego J. Trindade da Fonseca e Silva, no livro “Lugares e pessoas. Subsídios eclesiásticos para a história de Goiás”, os primeiros raios da evangelização devem-se ao Frei Cristóvão e seus companheiros, frades Franciscanos Capuchinhos, já nos anos 1625-1636, nas terras dos valentes e perigosos índios. Um século depois, em 1731, vemos os filhos de São Francisco em Meia Ponte (Pirenópolis) e em Trairas (hoje diocese de Uruaçu) a fundar dois hospícios.
Poucos anos depois, vieram os Jesuítas, pela obra do grande apóstolo Pe. Antônio Vieira.
A história da primeira evangelização da nossa região está inscrita nas cidades históricas de Corumbá, Jaraguá e Pirenópolis. Suas igrejas antigas, suas imagens, suas tradições religiosas e folclóricas são monumentos que atestam que a raiz da nossa terra e da nossa gente é cristã, é católica.
Assim, poderíamos citar tantos nomes e fatos inscritos talvez não nas páginas dos livros da história, mas nas páginas históricas da evangelização, aos quais, de modo geral, queremos fazer justiça de reconhecimento e de gratidão.
11. Hoje, voltamos o nosso olhar às formas de expressão e de transmissão da fé do nosso povo. A fé é ainda fervorosa, prevalece o caráter devocional, a piedade popular, a tradição religiosa se mistura com a tradição cultural, impossível de serem separadas.
Olhamos para a realidade de numerosos leigos autenticamente comprometidos com a vivência da sua fé. Olhamos com gratidão muitos fiéis engajados nas pastorais e movimentos, que, ao lado dos seus sacerdotes, realizam uma valiosa obra de transmissão da fé.
Temos muito que agradecer a Deus!
12. Por fim perguntamos: o que podemos fazer para que este Ano da Fé seja bem aproveitado em vista do fortalecimento da fé da nossa gente?
Sugiro as seguintes iniciativas:
– fazer com que o Credo, Símbolo dos Apóstolos, seja frequentemente pronunciado em forma de profissão de fé e de oração diária dos fiéis; introduzir na liturgia mais frequente recitação do Credo Niceno-Constantinopolitano, que traz importantes afirmações doutrinais e pode servir como forma de catequese;
– promover as “Escolas da fé” nas paróquias e comunidades, explanando de forma acessível as verdades da fé católica;
– semanalmente, nas Missas dominicais, promover uma catequese sistemática sobre a doutrina da fé, orientando-se pela trilha pedagógica do Catecismo da Igreja Católica;
– do mesmo modo, publicar no folheto litúrgico “Dia do Senhor” breves catequeses sobre a fé, cuidando da transmissão da doutrina e motivando os fiéis à vivência da fé, que a fé seja um autêntico encontro com Deus;
– programar as novenas das festas patronais nas paróquias e comunidades de forma que em toda a Diocese aconteça a mesma catequese doutrinal;
– evangelizar as festas tradicionais que possuem forte caráter cultural e folclórico, especialmente as cavalhadas e as folias;
– introduzir o antigo costume de “redditio fiedei” (entrega da fé) nas Missas da Primeira Comunhão e Crisma; que as crianças, adolescentes e jovens ouçam, em canto da assembleia, a fé que receberam no Batismo e renovem o seu compromisso;
– encorajar os leigos ao estudo da teologia na Faculdade Católica de Anápolis;
– dar continuidade ao programa pastoral “Diocese em Missão”;
– aproximar os fiéis à Palavra de Deus, divulgando a leitura orante da Bíblia;
– dar especial atenção à família e à catequese, lugares privilegiados da transmissão da fé; cuidar da formação, cada vez mais aprimorada, dos catequistas;
– aprimorar as celebrações litúrgicas, fazer com que se tornem momentos de experiência de Deus, de expressão sentida da fé e de catequese; conscientizar as equipes de serviço litúrgico da sua importância, colocar em prática o Diretório Litúrgico da Diocese;
– visualizar a fé por meio de cartazes, banners, santinhos, divulgar a fé pelas redes sociais.
A estas, somem-se outras iniciativas segundo a criatividade de cada paróquia, com sua realidade pastoral.
13. Senhora Sant´Ana, Padroeira da Diocese, que transmitiu a fé a Maria Menina pelo conhecimento do Livro Sagrado e a sua Filha Maria Santíssima, “Aquela que acreditou” e se tornou causa da nossa salvação, nos fortaleçam na fé e nos ensinem como crer, hoje, para a nossa salvação e para o cumprimento da nossa missão no mundo atual.
Louvado seja Jesus Cristo!
Dom João Wilk,
Bispo de Anápolis