Espiritualidade de enjoado
O ser humano é um ser carente por natureza, necessitado dos bens materiais para sua sobrevivência e da convivência humana para o seu crescimento. Esta carência material-afetiva abre seus horizontes para uma fonte de graças que vai além do visível e se insere no âmbito espiritual: nossa carência se encontra com a onipotência do Criador e como criaturas amadas pelo Criador, encontramos refúgio, força e segurança no contato com Deus, nos diálogos de amores, nos encontros íntimos e nas confidências amigáveis, práticas que normalmente costumamos chamar de oração. Na oração elevamos nosso coração aos céus na certeza de que nossas preces encontrarão um destino divino, na esperança de sermos escutados em meio às nossas súplicas; na oração a nossa carência humana ganha um consolo divino e somos confortados na certeza da onipotência divina, de sua providência que jamais nos abandona e de sua graça que nos sustém em meio às nossas batalhas diárias. A oração é como as mãos levantadas de Moisés que dava a vitória ao povo de Israel (cfr. 1ª leitura), por meio dela nos unimos ao mesmo Deus e somos fortalecidos, Deus se torna o nosso socorro, a nossa rocha firme, o nosso refúgio seguro.
A necessidade da criatura do Criador é curada nesse íntimo e profundo relacionamento com Deus. A oração é uma necessidade intrínseca a toda criatura, neste encontro de amor a criatura se compreende e se completa, uma necessidade diária, um alimento espiritual, um relacionamento pessoal. Mais que uma forma de ganhar as graças ou de exigir milagres, a oração é a forma mais concreta de contato com Deus, é o mais íntimo do coração humano que expõe sua miséria e sua carência. E bem como a carência da criatura é constante, a oração na vida do cristão deve ser perseverante e insistente. No Evangelho com vários exemplos Jesus ensina a persistência na oração a ponto de se tornar enfadonho e enjoado, mostra que na perseverança da oração fica exposta a carência humana e ao mesmo tempo torna-se patente a onipotência divina. Mais que uma forma de obrigar a Deus a dar o que queremos, a insistência na oração mostra a humildade da criatura em deixar Deus ser Deus na sua vida, manifesta a confiança no nosso Pai e a certeza de que não estamos sozinhos; no processo do pedido vamos configurando nossa vida à dinâmica da oração onde reconhecemos nossa limitação e percebemos que sozinhos não conseguimos nada, mas com Deus podemos tudo, por isso devemos insistir, pedir, perseverar, ser enjoados com Deus, Ele sabe o que precisamos, mas quer que insistamos, é no enjoo espiritual que nos despojamos da nossa autossuficiência e da nossa arrogância de querer ser deus e fazer de Deus uma criatura que nos serve como um garçom. Devemos ser enjoados espirituais nas nossa orações, mas sem nunca perder de vista que somos criaturas diante do Criador e que no final das contas: “seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu”.
Cada cristão deve encarnar na sua vida a espiritualidade do enjoado, que persiste nos pedidos, insiste na oração, persevera nas preces, e consciente de sua miséria e limitação, de suas carências e necessidades, entra na dinâmica da oração e experimenta que realmente é “do Senhor que me vem o meu socorro, do Senhor que fez o céu e a terra” (cfr. Salmo).
Pe. Carlito Bernardes Júnior