Diocese de Anápolis

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Corpus Christi 2011

“Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim.”

Amados, em Cristo, irmãos e irmãs.

1. A festa do Corpus Christi.

A Igreja se alegra hoje com a solene adoração pública do Santíssimo Sacramento – verdadeiro Corpo e Sangue de nosso Senhor Jesus Cristo. É uma celebração de data antiga, que encerra um ciclo de celebrações dos principais mistérios da nossa fé e da nossa redenção. São sessenta dias depois da Páscoa, da dolorosa morte e gloriosa ressurreição de Jesus. Celebramos a volta de Jesus ao céu, para receber do Pai o prêmio da sua glória, pela obediência e missão cumprida a favor da humanidade. Celebramos a festa do Pentecostes – Divino Espírito Santo, e no domingo passado a Santíssima Trindade – mistério que revela a própria identidade de Deus e o que Ele é capaz de fazer por nós. Hoje, temos uma das expressões do que Deus é capaz de fazer a nosso favor: “Não vos deixarei órfãos; estarei convosco até o fim dos tempos.

A Eucaristia é um Sacramento ao qual nos dirigimos com diversos nomes, que correspondem à riqueza do mistério que ele encerra: Eucaristia, Santa Missa, Sacrifício, Presença, Missão, Adoração, Sacramento do Amor e outros.

Hoje, correspondendo aos programas pastorais da nossa Diocese, dos Bispos do Brasil e, sobretudo, aos ensinamentos do Santo Padre, gostaria de voltar a nossa atenção sobre dois aspectos especiais ligados a este mistério: 1) uma íntima união entre a Eucaristia e a Palavra de Deus, 2) a Eucaristia como fonte e escola da “cultura do amor” nos desafios do mundo em que nós cristãos vivemos.

2. A Eucaristia e a Palavra de Deus.

Permitam-me que recorra a um exemplo. Cada carro quando viaja, já no escuro, possui dois faróis, que por igual iluminam a estrada para não causar acidente. De vez em quanto, cruzamos com algum veículo com apenas um farol funcionando. Logo pensamos que há algo fora do normal, que é defeituoso e perigoso.

Assim acontece com a Igreja. Para iluminar bem o seu caminho na escuridão das vicissitudes deste mundo, a Igreja conta com dois faróis: A Palavra de Deus e os Sacramentos, principalmente a Eucaristia.

O exemplo mencionado pode nos ajudar a compreender esta realidade, a profunda harmonia e íntima união entre a Eucaristia e a Palavra de Deus.

A Igreja de Cristo, ao longo da sua história, realizou grandes benefícios a favor da humanidade. Mas, infelizmente, sofreu incompreensões e perseguições do mundo de fora e as divisões internas, que até hoje continuam como chagas abertas no Corpo Místico de Cristo: católicos, protestantes, ortodoxos, só para mencionar os principais…

Devido ao contexto histórico, criou-se a opinião de que a característica dos protestantes seria a valorização da Bíblia e a dos católicos a maior valorização dos Sacramentos. De fato, a maior valorização dos Sacramentos se deu devido à negação, por parte dos protestantes, de alguns dos Sacramentos, principalmente da presença real e viva de Jesus Cristo na Hóstia Consagrada… Mas, nunca a Igreja deixou do lado a pregação do Evangelho, pois a Sagrada Escritura é fonte de toda a Revelação e da doutrina que não é da Igreja, mas de Jesus Cristo. E Jesus Cristo, Palavra eterna do Pai se fez carne e é a plenitude de toda a Revelação.

Nos últimos decênios da nossa história, se fez grandes esforços para levar os fiéis a uma valorização e meditação da Sagrada Escritura. A reforma litúrgica do Concílio Vaticano II dedicou grandes espaços dentro da celebração eucarística à Liturgia da Palavra. Os fiéis católicos se familiarizaram de forma eficaz com a Sagrada Escritura e fizeram dela a principal fonte de sua oração e espiritualidade, por meio da leitura orante da Bíblia, ao lado de outras louváveis orações e devoções. Mas, precisamos avançar mais…

Este ano na nossa Diocese foi proclamado o Ano da Palavra, em resposta à Exortação Apostólica Pós-sinodal do Papa Bento XVI dedicada à verdade sobre a Palavra de Deus, sobre a sua correta compreensão e interpretação, sobre o seu uso na liturgia e sobre a força transformadora do mundo pela sua sabedoria, pelo seu poder divino, pela mudança de vida dos cristãos que na escola da Bíblia aprenderam a ser de verdade “luz do mundo e sal da terra”.

O capítulo, a meu ver, mais contundente e entusiasmante desta Exortação é exatamente sobre a Palavra de Deus na Igreja, especialmente a sua íntima união com a Eucaristia, sobre o “vínculo entre a escuta da Palavra e a fração do pão” (cf. Lc 24, 13-35). Já o Beato Papa João Paulo II dizia que na Missa Cristo se dá a nós como alimento nas duas mesas: a mesa da Palavra – o púlpito, e a mesa da Eucaristia – o altar. Já acostumamos, por meio da progressiva compreensão e participação ativa ao fato de que a Missa possui como que duas partes: a Liturgia da Palavra e a Liturgia Eucarística. Mas, na verdade, não são duas partes, mas duas expressões do mesmo e único mistério celebrado pela assembleia dos fiéis, como único ato de adoração a Deus Pai, por meio do seu Filho Jesus, na unidade do Espírito Santo.

O Santo Padre nos diz: “A Palavra de Deus, lida e proclamada na liturgia pela Igreja, conduz, como se de alguma forma se tratasse da sua própria finalidade, ao sacrifício da aliança e ao banquete da graça, ou seja, a Eucaristia. Palavra e Eucaristia correspondem-se tão intimamente que não podem ser compreendidas uma sem outra: a Palavra de Deus se fez carne, sacramentalmente, no evento eucarístico. A Eucaristia abre-nos à compreensão da Sagrada Escritura, e esta, por sua vez, ilumina e explica o Mistério eucarístico. Com efeito, sem o reconhecimento da presença real do Senhor na Eucaristia, permanece incompleta a compreensão da Escritura. Por isso, “à Palavra de Deus e ao mistério Eucarístico a Igreja tributou e estabeleceu que sempre e em todo lugar, se tributasse a mesma veneração, embora não o mesmo culto.” (Exortação, 55).

O Evangelista São Lucas nos fala de dois discípulos, voltando de Jerusalém para Emaús, entristecidos, com esperança desiludida, pelo que aconteceu com Jesus, que foi acusado, torturado e crucificado. De repente, juntou-se a eles um terceiro viajante que começou a “explicar-lhes, em todas as Escrituras, tudo o que Lhe dizia respeito” (Lc 24, 27). Os dois começaram a ver as Escrituras de novo modo. Mas, não descobriram quem era o terceiro viajante. As suas palavras e explicações das profecias eram ainda insuficientes para esta experiência. Somente quando Jesus tomou o pão, abençoou-o, partiu e deu a eles, “abriram-se os olhos e O reconheceram” (Lc 24, 31).

A tristeza e a desesperança deram lugar à alegria, ao entusiasmo e os transformou em discípulos missionários. De fato, na mesma hora, voltaram a Jerusalém para contar esta notícia aos Apóstolos.

O Papa afirma ainda que a Palavra de Deus deve tornar-se “alma de toda ação pastoral”. “A Palavra de Deus – diz o Papa – apareça em lugar central na vida da Igreja, recomendando que se incremente a “pastoral bíblica”, não em justaposição com outras formas da pastoral mas como “animação bíblica da pastoral inteira”. Não se trata simplesmente de acrescentar qualquer encontro na paróquia ou diocese, mas de verificar que, nas atividades habituais das comunidades cristãs, nas paróquias, nas associações e nos movimentos, se tenha realmente a peito o encontro pessoal com Cristo que Se comunica a nós na sua Palavra” (Exortação, 73).

Queridos irmãos e irmãs, gostaria que a verdade agora refletida, suscitasse em nós algumas conclusões práticas de caráter pastoral e um compromisso de cristãos católicos.

  • a) Seria muito bom que cada católico possuísse uma Bíblia própria. Já o fato de o Livro Sagrado como seu, como uma pequena parte do seu patrimônio pessoal, é forma de expressar que o nosso coração confia em Deus.
  • b) Os pais, no delicado processo de educação dos seus filhos, façam decorar aos seus filinhos os versículos da Bíblia Sagrada. Assim, desde a mais tenra idade, eles formarão o seu modo de pensar com a sabedoria de Deus e de ver a vida com os olhos de Deus.
  • c) Peço a todas as pastorais e movimentos que incluam na oração inicial das suas reuniões uma breve leitura orante da Palavra de Deus, de preferência dos textos que a liturgia prevê para aquele dia.
  • d) O lugar privilegiado da escuta da Palavra de Deus é a Igreja, especialmente a assembleia litúrgica, a Santa Missa. Primeiro, porque a Palavra de Deus não é de livre interpretação pessoal, mas é livro da Igreja. É na Igreja e por meio da Igreja que entendemos o seu verdadeiro significado. Na participação da Santa Missa procuremos suscitar em nós as atitudes de ouvir, de querer compreender e levar consigo, para o início da semana, uma mensagem concreta que vai iluminar os nossos passos, nossos relacionamentos, nossos trabalhos. Na participação da Missa mantenhamos o devido silêncio pessoal. Cuidemos também do silêncio dos outros. Que a nossa distração, nossa conversa, impaciência ou comportamento inadequado não sejam obstáculo para quem está sentado ao nosso lado de prestar atenção e de compreender a proclamação da Palavra. O momento da escuta da Palavra é a verdadeira comunhão com Jesus Cristo, Palavra eterna do Pai que se fez um de nós.
  • e) Façamos da Bíblia um livro de constante leitura e de oração, fonte privilegiada de espiritualidade e dos projetos de vida. “Tua Palavra, Senhor, é lâmpada para meus pés, luz para o meu caminho”. Seria bom ir acostumando-se à prática da leitura orante da Bíblia. É fácil e simples; basta começar.
  • f) A parte especial da Bíblia, que é parte explicitamente orante, é o Livro dos Salmos. Desde o início da Igreja, os Salmos entraram como herança assumida da espiritualidade do Antigo Testamento e se tornaram uma pérola preciosa de oração, de louvor, de experiência de Deus. É dos Salmos que se compõe, até hoje, a oração diária das pessoas consagradas.
    O Santo Padre Bento XVI dedicou a sua catequese de ontem, falando aos milhares de peregrinos na Praça de São Pedro. Dizia o Papa: “Os Salmos são “uma escola de oração”, pois ensinam, como acontece com as crianças com relação às palavras dos adultos, a linguagem que podemos utilizar para dirigir-nos a Deus Pai. (…) Quando a criança começa a falar, aprende a expressar suas próprias sensações, emoções, necessidades, com palavras que não lhe pertencem, mas que aprende dos seus pais e dos que vivem com ela. (…) O que a criança quer expressar é sua própria vivência, mas o meio expressivo é de outros; e ela, pouco a pouco, se apropria desse meio; as palavras recebidas dos seus pais se tornam suas palavras e, através das palavras, aprende também uma forma de pensar e de sentir, acede a um mundo inteiro de conceitos e cresce com eles, relaciona-se com a realidade, com os homens e com Deus (…) Assim acontece com a oração dos Salmos. Eles nos são dados para que aprendamos a dirigir-nos a Deus, a comunicar-nos com Ele, a falar-lhe de nós com as suas palavras, a encontrar uma linguagem para o encontro com Deus”.
  • g) Seja a Palavra, seja a Eucaristia brotam do coração amoroso de Deus. Falam do amor, expressam o amor, inspiram o amor.

3) Semeadores da “cultura do amor”.

Nós, hoje, vivemos num mundo que desconhece o amor. Conhece, sim, a paixão, mas não o amor. A “cultura do desamor” vai associada “à cultura da morte”, como dizia o Beato João Paulo II. Há desamor na sociedade e na política, na família e no trabalho, até entre nós membros da Igreja. A “cultura de desamor” se manifesta de tantas formas: competição, interesse pessoal, instrumentalização do outro, corrupção, atentados contra a vida e a família, contra os menos favorecidos, na crescente onda de violência, desde os cruéis assassinatos, desaparecimento de pessoas, disseminação do tráfico de drogas, sistemática destruição de valores e franco lançamento de tudo que vai contra a verdade, contra a moral, contra a dignidade verdadeira das pessoas, nas mentiras e estratégias de pequenos grupos de pressão que impõem à grande maioria dos cidadãos de bem o seu modo de pensar e a sua lei. Há violência contra a Igreja. Há violência no trânsito que se transformou numa verdadeira guerra de rua. As pessoas ficam contentes e satisfeitas com o fracasso dos outros, com o desejo de até destruí-las.

Nós somos, queridos irmãos e irmãs, filhos e filhas do Amor: fomos criados por amor de Deus e destinados para amar. Há uma urgência acreditarmos nisso e começarmos a viver e a semear a “cultura da verdade e do amor”, como aprendemos da Santa Palavra de Deus e da Eucaristia, na qual celebramos o amor sem limites de Jesus Cristo: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim.”

Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!

+ João Wilk, OFMConv.
23/06/2011

 

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