Diocese de Anápolis

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Variedade de teologias

Quando queremos caracterizar alguma ciência (área de conhe-cimento), apontamos para o seu objeto (juntamente com os seus aspectos), seus objetivos e os métodos de que se utiliza. Tendo isso em mente, vamos fixar a nossa atenção em autores selecionados para verificar como eles “fazem a teologia”. Isso nos facilitará a formulação de uma resposta a respeito do que é propriamente a teologia.

1. TEOLOGIA DE S. PAULO

S. Paulo não foi um professor de teologia, mas um Apóstolo. Possuía, no entanto, como o único entre os hagiógrafos do Novo Testamento, uma preparação teológica no âmbito do Antigo Testamento. Nas suas cartas ele transmitiu muitos elementos importantes da teologia cristã.

Enfatizava firmemente que estava anunciando Jesus Cristo, e crucificado. Ele estabelece os esboços de uma doutrina, mas ressalva que não é a doutrina que constitui o objeto principal do seu interesse, mas sim a pessoa de Jesus Cristo crucificado e ressuscitado. Ele recebeu esse “objeto” da primeira congregação de cristãos, mas a experiência às portas de Damasco e a vocação para pregar o Evangelho aos pagãos apresen-taram-lhe uma nova etapa do Evangelho. Não era apenas uma vocação, mas a revelação de algo novo na história da salvação, algo em que se viu envolvido pessoalmente. O anúncio do Cristo místico se tornará para ele a sua tarefa dentro dessa história, numa perspectiva nova e ampliada (abordagem personalista e histórico-salvífica da teologia).

Tendo em vista os ambientes judeus e os cristãos convertidos do judaísmo, Paulo utilizava-se freqüentemente de argumentos extraídos do Antigo Testamento. Principalmente quando escrevia sobre a fé, trazia à lembrança os grandes exemplos da fé dos patriarcas. Quando se dirigia aos pagãos, argumentava de forma diferente: fazia uso das obras dos escritores pagãos e recorria ao que na cultura pagã ele considerava como mais valioso. Mostrava aos judeus e aos pagãos quanto a revelação cristã correspondia aos “pressentimentos” e aos prognósticos de ambas as culturas pré-cristãs. S. Paulo tentava aproximar o Mistério de Cristo das congregações cristãs de diversas formas: pela analogia da fé (demonstração das relações entre o Mistério explanado e outras verdades da fé), pelo aprofundamento intelectual ou pelo próprio testemunho.

O Apóstolo tratava todo o seu ensinamento como o anúncio do Evangelho. Subordinava a teologia ao bem da fé. A sua teologia brotava do anúncio, ela se formava no anúncio e permanecia nos serviços da fé (caráter querigmático da teologia).

 2. TEOLOGIA ANTIGNÓSTICA DOS SÉCULOS II E III

Os primeiros grandes teólogos cristãos surgiram da luta contra o gnosticismo. A gnose (de gnosis – conhecimento pela participação) não constituía uma seita, mas um movimento filosófico-religioso-teológico que fazia um conglomerado de diversas tradições da sua época, um verdadeiro “coquetel religioso” (definição de Paulo Tillich). Introduzido na Igreja primitiva por Marciano, o gnosticismo rejeitava o Antigo Testamento e pregava a necessidade de se purificar o Novo Testamento dos elementos do Antigo. Ao Deus do Antigo Testamento, como Demiurgo judeu, ele contrapunha o Deus do Novo Testamento. O primeiro era – no seu entender – o Deus da lei; o segundo – o Deus do Evangelho. Foi o primeiro, o Deus mau, quem criou o mundo, que é igualmente mau, e é preciso salvar-se dele. A salvação é trazida pelas forças cósmicas, pelos íons, o mais eminente dos quais desceu à terra como Salvador, mas não pôde ingressr na matéria, porque ela é a sede do mal…

Para defender os centros cristãos dos erros da gnose, Irineu (+202), Tertuliano (+ c. 220) e Hipólito (+ c. 235) criaram a teologia ortodoxa, que levava em conta os conceitos deletérios da heterodoxia. Adotaram a idéia do Logos, já aceita pelos apologistas, mas foram mais longe, ligando-a mais nitidamente com a Bíblia e a Tradição.

Visto que os gnósticos apelavam a revelações especiais que lhes teriam sido dadas durante os quarenta dias que separavam a ressurreição da ascensão, era preciso primeiro estabelecer o cânon da Sagrada Escritura. Na busca de um critério de avaliação dos escritos autenticamente revelados, os padres, especialmente Irineu, apontavam para a Tradição como uma regra de fé. O estabelecimento de como e onde devia ser buscada a Tradição Apostólica levou à tese da sucessão apostólica como garantia de Tradição autêntica. E dessa forma cristalizavam-se os fundamentos da metodologia teológica.

Após essas defiições metodológicas, os padres procederam à defesa teológica da imagem de Deus. A distinção entre “Deus criador” e “Deus salvador” foi por eles reconhecida como uma blasfêmia. O mesmo Deus criou o mundo do nada, e o objetivo da Sua atividade era e continua sendo a salvação da humanidade. Irineu ocupou-se mais de perto com essa questão, construindo a teologia da história da salvação com a famosa tese da redução de tudo a Cristo como Cabeça (anakephalaiosis – recapitulatio – religação com a cabeça). Tertuliano, ao defender a unidade de Deus, chegou ao conceito de “trindade”, sendo o primeiro dentre os padres latinos a se utilizar da palavra trinitas: Deus – Logos – Sapientia ou: Deus – Filho – Espírito.

3. TEOLOGIA DE S. BOAVENTURA

Em S. Boaventura (+ 1274) encontraram-se dois professores de teologia: o biblista e o escolástico. Nos tempos do Doutor Seráfico inroduziu-se vitoriosamente na Universidade de Paris a filosofia de Aristóteles, acompanhada de uma forte tendência de distinguir as ciências (artes) da teologia, bem como de introduzir o aristotelismo nas aulas de teologia. Ele teve que trabalhar num período verdadeiramente decisivo no que diz respeito à forma de praticar a teologia. Muitos teólogos receavam essas mudanças. Roger Bacon, uma das mentes mais brilhantes daqueles tempos, protestava contra a colocação dos IV Libri Sententiarum de Pedro Lombardo acima dos livros da Sagrada Escritura. O papa Gregório IX encaminhou duas cartas alarmentes aos teólogos parisienses (7 de julho de 1228 e 13 de abril de 1231). Protestava contra a “torpe mistura da Palavra de Deus com a doutrina dos filósofos” e contra a supervalorização da filosofia. No seu entender, estava sendo subvertida a ordem natural das coisas, ao se ordenar que a rainha, isto é, a teologia, fosse a serva da serva, ou seja da filosofia. Os teólogos filosofantes, que haviam abandonado a exegese bíblica para expor problemas disputáveis (quaestiones disputatae) ou promoviam disputas, eram cercados de glória, recebiam assistentes, melhores moradias e horas adequadas para lecionar, enquanto os “biblistas” eram tratados como teólogos de segunda categoria.

Boaventura revoltava-se contra essa situação. No entanto, era filho da sua época e estava sujeito à sua pressão. Comentava a Sagrada Escritura e comentava Pedro Lombardo. Por convicção era um biblista, por obrigação tinha que ser igualmente um escolástico das questões e das disputas.

A respeito da teologia bíblica ele tinha o seu conceito formado. Identificava o seu objeto e o seu objetivo com o objeto e o objetivo da Sagrada Escritura. A Escritura fala de Deus, que é, cria, conduz a história e conserta através do Filho a obra da criação deformada pelo pecado. Portanto, Deus deve ser reconhecido como o “objeto” da teologia.

Quando Boaventura explana o “objeto” da teologia filosofante, ou estritamente escolástica, que se baseia nas Sentenças de Pedro Lombardo e que adota a forma das disputas e das questões, ele diferencia a sua resposta. De acordo com o ponto de vista, o “objeto” de uma teologia assim compreendida é Deus, Cristo ou as verdades da fé. Deus é o objeto da teologia mais fundamental, geral e definitivo; Cristo – o objeto integrante (visto que é Deus e homem, e devemos analisá-lo também como Cabeça e membros, isto é, conjuntamente com a Igreja); e o objeto geral são as verdades da fé, na medida em que podem ser compreendidas (credibile ut intelligibile). Se o objeto da teologia é abordado no seu último significado, é fácil perceber que a teologia se torna uma tentativa de compreender a fé: intelligentia fidei, intelligentia revelationis, intelligentia misteriorum, scientia fidei ou fides quaerens intellectum.

Ambos os tipos de teologia possuem um objetivo comum, que se identifica com o objetivo da Sagrada Escritura: que nos tornemos melhores e alcancemos a salvação: ut boni fiamus et salvemur. A fé é o objetivo mediato, e não definitivo, da Sagrada Escritura e da teologia. Com efeito, ela conduz a algo mais importante, a saber, ao conhecimento, ao amor e à felicidade eternos.

 À pergunta tradicionalmente feita a respeito do caráter teórico ou prático da teologia, S. Tomás respondia que ela é teórica e prática, mas antes teórica (especulativa). A essa mesma pergunta S. Boaventura respondia: sobretudo prática (para que nos salvemos).

Um objetivo assim compreendido da teologia não pode ser atingido apenas pela especulação sobre o texto da Bíblia. A teologia do tipo antigo, isto é, a bíblica, deve tomar como modelo a própria Sagrada Esritura e familiarizar-se com as suas variadas formas de exposição: narrativa, imperativa, proibitiva, estimulante, profetizante, admoestante, suplicante, louvadora, etc., isto é, com aquele que fala eficazmente ao ouvinte, atraindo-o à sabedoria cristã e à salvação.

A teologia como sacra Doctrina, isto é, escolástica, deve cuidar mais do aprofundamento intelectual do mistério revelado (modus perscrutatorius, ratiocinativus, inquisitivus).

Todas as ciências leigas (artes), inclusive a filosofia, devem subordinar-se à teologia e apoiá-la na obtenção do objetivo que tem para o homem o significado mais fundamental (teoria da subalternação, típica da Idade Média, que consistia em subordinar à teologia todas as áreas da ciência).

4. TEOLOGIA DE S. TOMÁS DE AQUINO

S. Tomás (+1274) dedicou a primeira questão da sua famosa Suma teológica à caracterização da teologia. Em dez artigos concisos caracterizou a teologia como santa doutrina (sacra Doctrina). Mais que Boaventura, utilizava-se desse termo em relação à teologia e distinguia-a mais claramente da Palavra de Deus. No entanto não se esqueceu da sua distinção em relação à filosofia. A teologia – segundo ele – deve aproximar ao homem aquilo que Deus revelou sobre o seu objetivo e sobre os caminhos que a ele conduzem. A teologia é um conhecimento teórico, visto que, apoiando-se na Revelação, penetra no mistério de Deus. Mas analisa também questões humanas, e por essa razão possui um caráter de ciência prática. Visto que a investigação da verdade a respeito de Deus é um conhecimento mais perfeito que o conhecimento das Suas criaturas, a teologia é um conhecimento antes teórico que prático: Magis tamen est speculativa quam practica (STh I q 1 a 4).

O Doutor Angélico conhecia as tentativas da época de uma formulação cristocêntrica de toda a teologia. Lembra que alguns reconhecem como objeto da sacra Doctrina a redenção (opera reparationis) ou o Cristo todo (totum Christum), isto é, a Cabeça e os membros. No entanto, optou por um nítido teocentrismo, segundo o qual Deus é o “objeto” da teologia, e tudo o mais é analisado no seu relacionamento com Deus e na subordinação a esse Centro absoluto (secundum ordinem ad Deum – art. 7).

S. Tomás enfatizava mais decididamente que S. Boaventura o caráter especulativo da teologia, que chamou de “doutrina que argumenta – doctrina argumentativa” (art. 8). Avaliava também de forma mais positiva as possibilidades de aproveitar a filosofia na prática da doutrina teológica. Se os coirmãos franciscanos do professor traziam-lhe das suas longínquas expedições ao Oriente os escritos dos Padres orientais da Igreja, os irmãos dominicanos do mestre organizaram para ele uma equipe de tradutores dos escritos filosóficos de Aristóteles. Boaventura advertia contra a mistura do vinho do Evangelho com a água da filosofia pagã; Tomás, preocupado com uma teologia digna daqueles tempos, fascinado pela descoberta do Estagirita, ousou fazer uso dele para a construção de uma grande síntese teológica. Felizmente, evitou o perigo temido pelo seu amigo franciscano. Mas, antes de S. Tomás aplicar na teologia a filosofia de Aristóteles, fez as indispensáveis correções. Cheio de admiração pelo filósofo pagão, não o aceitava, entretanto, sem uma avaliação crítica. Interpretou de forma original a teoria aristotélica do ato e da potência, reconhecendo o ato e a existência como o ato dos atos, ou seja, ato puro e existência pura (pura – apenas e tão-somente existência).Isso lhe permitiu distinguir radicalmente Deus das criaturas, visto que apenas em Deus a essência identifica-se com a existência, enquanto que em todos os outros seres, tanto espirituais como materiais, a existência não faz parte da sua essência, isto é, a essência distingue-se efetivamente em tudo, a não ser em Deus. Uma tal colocação dos conceitos filosóficos básicos, abrangendo a totalidade do ser, possibilitou-lhe a construção de um sistema teológico que abrange tanto a ciência de Deus, como do homem e da salvação.

O que fez Tomás foi para a época algo progressista, corajoso e significativo.Não é de estranhar, portanto, que tenha provocado acaloradas disputas e protestos nas faculdades de teologia, bem como a inquietação do ministério magisterial da Igreja.

Os atuais julgamentos negativos sobre o tomismo são facilmente atribuídos ao próprio S. Tomás. Esquece-se aí a autêntica grandeza da sua obra, que no entanto deve ser avaliada no contexto do seu tempo, para evitar o erro da ahistoricidade.

5. TEOLOGIA DO PE. VICENTE GRANAT

Dois manuais de teologia dogmática deixados pelo teólogo polonês pe. Vicente Granat (+1979), por muitos anos professor da Universidade Católica de Lublin (1952-1970), permitem caracterizar a sua compreensão da teologia.

O primeiro manual (Teologia dogmática católica, I-IX + volume introdutório, Lublin 1959-1967), tipicamente acadêmico, mantém basicamente a convenção tradicional-escolástica, a saber: 1) mantém uma abordagem claramente teocêntrica, apesar da nítida valorização da temática cristológica, eclesiológica e antropológica; 2) mantém coerentemente o esquema de exposição típico dos manuais desde o séc. XIX em: tese, explanação dos conceitos mais importantes utilizados na tese, ou o chamado status quaestionis, posição do ministério magisterial da Igreja, definição da qualificação teológica apresentada no início da tese (dogma, doutrina próxima do dogma, doutrina teologicamente certa, doutrina universalmente aceita pelos teólogos), apresentação de opiniões contrárias à tese ou diferentes dela (adversarii), e finalmente a comprovação da tese pela Sagrada Escritura ou pela Tradição (geralmente se trata de citações de Padres da Igreja); 3) apresenta amplamente uma temática que há muito tempo perdeu a sua atualidade, por exemplo a forma de Deus conhecer os atos humanos livres, ou a disputa do século XVI entre os dominicanos e os jesuítas a respeito da natureza da graça eficaz.

Facilmente podem ser percebidos elementos renovadores e atualizadores da teologia tradicional: o pe. Granat aliava o respeito à herança da Tradição a uma corajosa abertura à nova problemática (unidade psíquica com Cristo, problemática da pessoa, da cultura e do diálogo). Enriqueceu a exposição da teologia da criação com informações muito eruditas da área das ciências naturais, mostrando em que medida o teólogo pode fazer uso de ciências específicas. Gostava de fazer referências aos modernos movimentos filosóficos e gostava igualmente de fazer citações literárias. Ampliou dessa forma o âmbito do locus theologicus aceito na teologia escolástica. Esforçava-se por demonstrar os valores vitais do dogma.

No segundo manual, escrito na sua totalidade após o Concílio Vaticano II, idealizado antes como uma introdução à teologia moderna do que um manual clássico quanto à forma (Em direção ao homem e a Deus em Cristo, I-II, Lublin 1972-1974), o pe. Granat renunciou ao esquema escolar de exposição (tese, status quaestionis, etc.). Quanto ao conteúdo, dedicou mais atenção à abordagem histórico-salvífica das questões e à explanação da doutrina do último concílio. Afastou-se de uma disposição da matéria nitidamente teocêntrica em favor de uma estrutura cristocêntrica. Fez isso convencido de que tanto o Mistério de Deus como o Mistério do homem, da Igreja e do mundo são esclarecidos em Cristo. Indo ao encontro das sensibilidades da cultura moderna, iniciou a exposição da teologia pelo problema do homem aberto à transcendência. Introduziu novas questões (história da salvação, estrutura carismática da Igreja, o caráter missionário e o ecumenismo como marcas da Igreja…). Criou uma teologia profundamente positiva e prática, que fala de Deus, com Deus e a Deus, uma teologia destinada ao homem que necessita de salvação hoje. Um amplo leque de fontes utilizadas, a abertura a toda verdade, indepen-dentemente de onde ela se encontre (em que Igreja, em que filosofia e em que corrente teológica), o mesmo respeito ao passado, ao presente e ao futuro, o desejo de servir com a teologia, e não de obter vitória sobre quem quer que seja – são valores que fizeram com que o autor não possa ser enquadrado nem entre os “conservadores” nem entre os “progres-sistas”.Consegiu escrever uma teologia simplesmente católica, ou seja, ampla e afavelmente aberta a todos os loci theologici, bem como aos problemas antigos e novos.

No volume introdutório da grande teologia dogmática, após passar em revista muitas definições de teologia, ele mesmo propõe duas:

1) Toda a teologia dogmática é uma ciência sobre Cristo Criador, Salvador, Sacerdote, Distribuidor das graças e Realizador da fé.

2) Pode-se também definir a teologia como uma disposição metódica dos resultados da cooperação da razão humana com o pensamento divino revelado em Cristo.

O pe. Granat dá preferência à primeira definição por ser mais personalista, por proteger a teologia do perigo do abstracionismo e por ser mais útil ao apostolado.

O pe. Granat entende a teologia como uma espécie de humanização da Revelação. A primeira etapa da humanização da Revelação realizou-se durante o processo da transmisssão por Deus ao homem da verdade salvífica, especialmente em Jesus Cristo (ápice da humanização da Revelação). A segunda etapa da humanização da Revelação realiza-se nas oficinas dos teólogos, onde a Revelação é elaborada de tal forma que com ela seja iluminado e salvo o humanum, ou seja, a realidade humana.

A teologia é teórica e prática. Em certas etapas do trabalho do teólogoprevalece o esforço pela busca da verdade, em outras sobressaem-se as aplicações práticas. Mas sempre a teologia toda deve servir ao Corpo Místico de Cristo e à humanidade na consecução do seu objetivo final.

6. A TEOLOGIA DO PADRE CONGAR

Yves Marie Joseph Congar, herdeiro espiritual de S. Tomás de Aquino, aceita basicamente a sua visão de teologia. Aceita, portanto, que a sacra Doctrina é uma ciência dedutiva, de acordo com o modelo aristotélico da ciência, porquanto possui premissas certas (por serem reveladas), que são as verdades fornecidas pela Sagrada Escritura, das quais extrai de forma segura as verdades-conclusões, aprofundando dessa forma a revelação e criando um conjunto de sentenças que a seguir sistematiza e funde numa só ciência.O objeto da teologia é Deus como Deus (Deus sub ratione deitatis). Isso não significa que o homem ou o mundo devam ser excluídos das reflexões teológicas; eles se tornam objeto da teologia na medida em que são analisados na sua relação com Deus: na medida em que d’Ele procedem a tendem a Ele. Congar enfatiza o caráter eminentemente teocêntrico da teologia de Tomás. Ele fala sempre de Deus:

“Deus que se revela;
Deus, primeira Verdade, autor da Revelação e da fé;
Deus, criador e condutor do mundo;
Deus, senhor dos anjos, que recebe as suas homenagens e que se serve deles no cumprimento da Sua obra;
Deus, salvador;
Deus, que se tornou homem e servo sofredor”.
Fala de toda a economia da salvação como de uma obra de Deus, de Jesus Cristo como do centro dessa obra e da Revelação, e de Deus como sujeito dessa economia: “Porque é DEUS que, em Cristo, reconcilia consigo o mundo” (2 Cor 5, 19):
“O Deus que faz a aliança, que atua nas almas, que me justifica;
Deus, fonte da minha justiça; Deus, que estabelece sinais eficazes de aliança;
Deus, criador dos sacramentos, e que neles atua;
Deus, que traçou todo o plano de santidade, que o introduz no mundo e o concretiza”.

Fala da atuação de Deus, do qual depende toda a existência cristã:

“Deus que reina sobre a Igreja e pela Igreja;
Deus, que une consigo os homens em Cristo e pelo serviço da Igreja;
Deus, que promete a ressurreição dos nossos corpos;
Deus, quem nos dá a felicidade eterna e a plenitude definitiva do Seu amor;
Deus, que é “tudo em todos” (1 Cor 15, 28) 7.

E, no entanto, a teologia de Congar distingue-se sensivelmente da teologia de Tomás. Congar, que – como os outros dominicanos – fez juramento de fidelidade ao grande doutor de Aquino, enriqueceu a sua visão da teologia com o seu próprio carisma e com a sua formação. Ele aprecia sobretudo a teologia positiva, especialmente a eclesiologia dos Padres da Igreja, da qual extrai novas luzes, preciosas para a eclesiologia contemporânea.

Como S. Tomás, padre Congar demonstra sensibilidade aos sinais do tempo. O doutor de Aquino percebeu o grande sinal do tempo no aristotelismo renascente; corajosamente utilizou-se dele na filosofia e na teologia cristã. O parisiense (padre Congar) percebeu o sinal do tempo no atual retorno às fontes e no ecumenismo. A força daquele residia na especulação e na ordenação; a força deste reside na volta à história e na correção. Ambos tiveram sérios dissabores, tanto pela interpretação dos sinais do tempo, como pelas respostas que deram em função desse reconhecimento. Tomás recorreu corajosamente ao Estagirita pagão, Congar teve a coragem de fazer uma leitura de Lutero. Constatou com alegria que um teólogo católico pode encontrar muita luz preciosa junto aos chamados teólogos heréticos.

Tomás criou uma grande síntese filosófico-teológica; Congar, apesar de sua obra impressionar pelo gigantismo das suas dimensões, trabalha apenas com alguns temas teológicos, sentindo-se melhor na patrística, mas sobretudo na doutrina sobre a Igreja e o Espírito Santo.

7. TEOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA LIBERTAÇÃO

Após a Segunda Guerra Mundial, surgiu nos países da América Latina um novo tipo de teologia. Chama-se ela “teologia do desenvolvimento”, “teologia da libertação” ou “teologia da revolução”9. Essa teologia nasceu com base na terrível miséria de uma grande parte da sociedade, na discriminação racial, na exploração econômica, no atraso cultural e na falta de chances de uma rápida mudança nessa situação desesperadora.

Uma boa parte da hierarquia, da camada inferior do clero e dos teólogos colocou-se decididamente do lado dos “sedentos de justiça”. Os responsáveis pelo Evangelho encontraram-se diante de perguntas extremamente difíceis. Por exemplo: faz parte das tarefas da Igreja a preocupação com a reforma econômica nos países em que ela atua? Até que ponto a Igreja pode ou deve intervir nos conflitos entre patrões e operários, entre os exploradores e os explorados? Até que ponto podem ser justificadas as atividades revolucionárias das pessoas cruelmente exploradas? Em que circunstâncias e condições os representantes da Igreja podem e devem participar das manifestações armadas? Que relação existe entre a salvação escatológica anunciada por Cristo e a salvação aqui e agora? A contínua situação de escravidão social, econômica e política não é uma blasfêmia contra a libertação trazida por Cristo?… Será que Cristo lançaria mão de um açoite (fuzil) para sanar essa situação pecaminosa? Nem os bispos, nem os teólogos daquelas regiões podem fugir diante desse tipo de perguntas.

O episcopado sul-americano fez uma urgente consulta ao eminente teólogo francês René Laurentin, a respeito da teologia do desen-volvimento10. Os próprios teólogos sul-americanos também deram início à construção de uma teologia que o seu continente estava esperando. Eles trabalharam sob a enorme pressão da situação sócio-política dos seus países.

 Iniciaram por análises sociológicas que apresentaram um mundo desumano e “terrível”, que deve ser o ambiente de salvação de milhões, desvendaram as condições de injustiça e de miséria que contrastam não apenas com os ideais do Evangelho, mas igualmente com os direitos fundamentais do homem. Recorreram em seguida ao Evangelho, para lhe perguntar mais uma vez o que significa realmente “salvação”, “desen-volvimento” e “libertação”. Sensibilizados pelo drama que atinge a sua existência humana, buscavam respostas muito concretas. Fizeram também o estudo dos documentos dedicados à doutrina social da Igreja. Exigiam novos pronunciamentos do magistério da Igreja que atentassem melhor para os seus problemas. Estabeleceram uma estreita cooperação com o episcopado latino-americano, que em Medelin (1968) e Puebla (1979) deu a maior atenção a esses problemas.

Dessa forma surgiu a teologia do desenvolvimento e da libertação, que não possui parâmetros na história. Essa teologia não demonstra interesse por grandes sínteses, mas pelo complexo das questões humanas concretas; liga-se com a soteriologia, buscando a sua dimensão temporal e terrena. A maior parte dos loci theologici tradicionalmente aceitos parecem falhar aqui. Na liturgia, nos Símbolos da fé, na patrística, entre os escolásticos, e igualmente na doutrina dos concílios, com exceção do último, é difícil encontrar respostas para as perguntas que atormentam. As maiores chances são oferecidas pelo Evangelho, se dele for feita uma nova leitura e se forem feitas perguntas próprias, não tradicionais. Trazem uma boa contribuição as encíclicas sociais dos últimos papas, embora não proponham respostas prontas. Os teólogos recorrem a pesquisas sociológicas, considerando-as indispensáveis na sua difícil tarefa. Aqui a indução ajuda mais que as mais imponentes deduções escolásticas. Possui igualmente um grande significado a diligente interpretação do sensus fidei das próprias Igrejas locais.

Será que uma teologia construída dessa forma não deve despertar dúvidas e provocar a discussão? Ou será que é possível fazê-la de outra forma ou desistir das tentativas de criá-la sem trair a vocação de teólogo?

Os exemplos acima citados de diversas teologias facilitam a caracterização do conhecimento teológico.

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