“Enquanto comiam, Jesus tomou o pão e, tendo pronunciado a bênção, partiu-o e entregou-lhes, dizendo: Tomai, isto é o meu corpo”. Em seguida, tomou o cálice, deu graças, entregou-lhes, e todos beberam dele. Jesus lhes disse: “Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos (…) Depois de terem cantado o hino, foram para o monte das Oliveiras” (Mc 14, 22-24.26).
1.“Eis o mistério da fé”.
Toda a Igreja, hoje, celebra uma das mais elevadas festas da sua fé: a exaltação de Jesus Cristo presente na Hóstia Consagrada. Adora-a e leva-a em procissão pelas ruas das cidades e dos povoados, para proclamar o seu Rei e Senhor, para lhe pedir as bênçãos.
Tal festa tem a sua razão na Última Ceia, no teor das palavras que acabamos de ouvir do Santo Evangelho.
Naquela noite, noite da Páscoa dos judeus, Jesus “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o extremo”. Tomando um pedaço de pão e, depois, um cálice com vinho, nos deixou o seu Testamento, que é a nova e definitiva Aliança em seu corpo entregue por nós e em seu sangue derramado por nossos pecados. Antecipava, assim, o que poucas horas depois, de maneira real e concreta, foi o evento único e irrepetível de sua paixão e morte redentora. Este é o “mistério da fé”, o mistério da nova e eterna Páscoa, que a Igreja anuncia, enquanto espera a sua vinda gloriosa.
A Igreja celebra este mistério em obediência ao mandamento de Jesus: “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22, 19). Através dos séculos a Igreja cumpre este mandamento, expressando e alimentando a sua fé, nutrindo-se de “tão sublime Sacramento”.
O Papa João Paulo II, na sua memorável carta “Fica conosco Senhor”, admoesta todos os filhos da Igreja a respeito do valor da Santa Missa: “É importante que nenhuma dimensão desse Sacramento seja descuidada (…) A Eucaristia é um dom muito grande para suportar ambiguidades e reduções” (n. 14).
1.1. E o Santo Padre continua: “Não há dúvida de que a dimensão mais evidente da Eucaristia seja o banquete (memória da Última Ceia). A Eucaristia nasceu, na noite da Quinta-feira Santa, no contexto da ceia pascal. Ela, portanto, traz inscrito na sua estrutura o sentido do convívio: ‘Tomai e comei (…) Bebei todos’”.
1.2. Em seguida, o Santo Padre nos lembra e afirma “que o banquete eucarístico tem também um sentido profundo e primariamente sacrifical. Nele Cristo nos reapresenta o sacrifício realizado uma vez por todas no Gólgota. Mesmo estando presente nele ressurgido, ele traz os sinais de sua paixão, da qual cada Santa Missa é ‘memorial’, como a liturgia nos recorda com a aclamação depois da consagração: ‘Anunciamos vossa morte, Senhor, proclamamos vossa ressurreição (…)’” (n 15).
A este respeito é importante ouvir o que se diz na Instrução Geral do atual Missal: “A natureza sacrifical da Missa, que o Concílio de Trento solenemente afirmou, em concordância com a universal tradição da Igreja, foi de novo proclamada pelo Concílio Vaticano II, que proferiu sobre a Missa estas significativas palavras: ‘O nosso Salvador na última Ceia instituiu o sacrifício eucarístico do seu corpo e Sangue para perpetuar o sacrifício da cruz através dos séculos até a sua volta, e para confiar à Igreja, sua esposa muito amada, o memorial de sua morte e ressurreição’” (n. 2).
1.3. Assim, a Eucaristia, sendo memorial da morte e da ressurreição do Senhor, nos abre para a perspectiva escatológica, dos tempos futuros em Cristo. Ao mesmo tempo, enquanto atualiza o passado, nos projeta rumo ao futuro da última vinda de Cristo, no fim da história. Este aspecto dá ao Sacramento da Eucaristia e, consequentemente, à Igreja, um dinamismo que alimenta e compromete a caminhada histórica da Igreja e “infunde no caminho do cristão o passo da esperança” (n. 15). É daqui que a Igreja recebe a força e a inspiração para caminhar pelas estradas da história com passos da eternidade, enfrentar os desafios e as manifestações do poder do mal com ousadia do bem, na humildade, com perseverança e coragem. Nós não estamos sozinhos, pois o Senhor, sacrificado e ressuscitado, caminha conosco pelas estradas da vida.
1.4. O mistério celebrado, além da ceia e do sacrifício, encerra a presença viva e real de Jesus nas espécies consagradas do pão e do vinho, razão principal da festa de hoje. “Com toda a tradição da Igreja – diz o Papa – nós acreditamos que, sob as espécies eucarísticas, está realmente presente Jesus (…) Cristo inteiro se faz substancialmente presente na realidade do seu corpo e do seu sangue. Por isso, a fé nos pede que estejamos diante da Eucaristia com a consciência de estarmos diante do próprio Cristo (…) A Eucaristia é mistério de presença, por meio do qual se realiza de modo absoluto a promessa de Jesus de permanecer conosco até o fim do mundo” (n. 16).
1.5. “Sem mim nada podeis fazer”. A sua presença real é para dar força aos discípulos para a perseverança no seguimento e no cumprimento dos seus objetivos maiores. “Tomai e comei…”. Precisamos de um alimento diferente, além daquele que nos sustenta para a dignidade da nossa vida como criaturas. “É meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu. Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá a vida ao mundo (…) Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome…” (Jo 6, 32-35).
1.6. Alimentados assim, nós nos tornamos “um” com Jesus e, nele, participamos da vida divina, aqui e na eternidade: “Quem vem a mim eu não o lançarei fora, porque eu desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. E esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum daqueles que ele me deu (…) E eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6, 37-40).
1.7. A comunhão no Corpo e no Sangue do Senhor é o princípio da comunhão daqueles que formam o seu Corpo Místico, que é a Igreja, ou seja, todos que pelo Batismo se tornaram membros e discípulos de Jesus Cristo. A dimensão pessoal do seguimento de Jesus e do próprio mistério da redenção vai sempre associada à dimensão comunitária-eclesial. A fé eucarística é a fé eclesial. A Eucaristia, que está no centro do culto da Igreja, é também aquela que faz a Igreja acontecer no seu aspecto visível e real.
Diz S. Paulo na Carta aos Coríntios: “Já que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, visto que participamos desse único pão” (1 Cor 10, 17).
2. “Nós vos adoramos”
São Francisco de Assis, ao iniciar as orações e ao visitar as igrejas, dizia assim: “Nós vos adoramos, Santíssimo Senhor Jesus Cristo, aqui e em todas as igrejas que estão no mundo inteiro”. É digno de todo louvor e de ação de graças este sublime e divino mistério da presença de Jesus nas nossas Igrejas. O cultivo da prática da adoração, tão antiga e tão cara às nossas práticas religiosas, alimenta constantemente a nossa fé. Lembra a presença do sagrado mistério no meio de nós.
Ao mesmo tempo, a humildade de Jesus de querer estar conosco, pela sua Encarnação e, agora, pela Eucaristia, nos impulsiona a uma atitude de santificação das realidades terrenas que nos são oferecidas como ambiente de vida e de salvação. Alimentados com o Corpo de Jesus, somos convidados a olharmos o mundo também com os seus olhos, olhos puros, redimidos, capazes de enxergar a glória de Deus, a glória do Ressuscitado que já iluminou a criação e que a conduz à luz da sua vitória. O combate espiritual contra o mal vai acontecer pela força da afirmação do bem e da maturação dos frutos da nossa santificação. Deus adorado na Eucaristia é também o Deus glorificado nas vitórias alcançadas a cada momento, com ajuda da sua graça, no bem que conseguimos promover.
3. Viver a Eucaristia.
3.1. A Igreja se expressa como Povo de Deus e se alimenta na digna celebração dos mistérios sagrados, especialmente da Eucaristia. Reconhecemos, com satisfação, um crescente progresso na participação “com conhecimento de causa, ativa e piedosamente dos fiéis” (SC, 11). Este progresso devemos ao empenho dos sacerdotes, à catequese litúrgica, à atuação da pastoral litúrgica em nossas paróquias. É mister reconhecer, com gratidão, o empenho das equipes de liturgia, de canto, dos “coroinhas” e das “coroetes”, dos acólitos, catequistas e Ministros Extraordinários da Comunhão Eucarística. As celebrações bem preparadas e conduzidas, com respeito das normas litúrgicas e atenção à capacidade de compreensão do povo, ajudam a penetrar no sentido do mistério celebrado, proporcionar momentos de profunda oração e experiência de Deus, fazer da liturgia momentos de adequada catequese e evangelização.
3.2. A Eucaristia é considerada expressão e manifestação de comunhão eclesial, em todos os sentidos. Os documentos da Igreja insistem para que a liturgia seja sinal visível da unidade da Igreja de Jesus Cristo. Zelar pela liturgia é uma das principais tarefas pastorais do bispo. “Na qualidade de Pontífice responsável pelo culto divino na Igreja particular, o Bispo deve regular, promover e custodiar toda a vida litúrgica da Diocese. Deverá, portanto, vigiar para que as normas estabelecidas pela legítima autoridade sejam atentamente observadas e de modo particular cada um, tanto os ministros como os fiéis, desempenhe a função que lhe cabe e não outra coisa, sem nunca introduzir mudanças nos ritos sacramentais ou nas celebrações litúrgicas segundo preferências ou sensibilidade pessoais” (Diretório para Ministério dos Bispos, 145). Face às manifestações de diversidade e sensibilidades diferentes na nossa realidade eclesial, é necessário insistir na unidade até pormenorizada das formas de participação na liturgia, para proteger a consciência e a reta piedade dos fiéis.
3.3. Com satisfação, também, percebemos a crescente participação e valorização do domingo como “dia do Senhor”. Quero insistir para que prossigamos neste caminho. É o modo justo para a redescoberta da vocação sobrenatural do ser humano e forma de preservar os valores que parecem sofrer ameaças na nossa sociedade marcada pelo senso do superficial e de passageiro. “Na verdade, a vida inteira do homem e todo o seu tempo, devem ser vividos como louvor e agradecimento ao seu Criador. Mas a relação do homem com Deus necessita também de momentos explicitamente de oração, nos quais a relação se torna diálogo intenso, envolvendo toda a dimensão da pessoa. O ‘dia do Senhor’ é, por excelência, o dia desta relação, no qual o homem eleva a Deus o seu canto, tornando-se eco da inteira criação” (Dies Domini, 15).
Conclusão.
Na conclusão do Ano Paulino, que comemora os 2000 anos do nascimento do Apóstolo das Nações, e na perspectiva do Ano Sacerdotal, que se inaugurará no próximo dia 19, em comemoração aos 150 anos da morte do santo padroeiro dos sacerdotes São João Maria Vianney, renovamos o nosso desejo de ser Igreja de Jesus Cristo viva e transformadora, semente do Reino de Deus definitivo, comprometida com a verdade e com o bem, portadora da esperança para a nossa sociedade e para humanidade inteira. A Eucaristia, acreditada e adorada, faça que cada um de nós seja “eucaristia” para os outros, vivendo o amor-sacrifício, na comunhão fraterna, sinais da vocação sobrenatural, homens e mulheres admirados pela justiça e retidão.
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
+ João Wilk, OFMConv.
10/06/2009