Diocese de Anápolis

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Mensagem aos Padres da Diocese de Anápolis: Celebração do Dia do Padre

Aos Padres, meus irmãos, “O Padre”, de Paulo Emanuel Machado

No Ano Sacerdotal (2009-2010), promulgado pelo Papa Bento XVI, o premiado ator britânico Jeremy Irons disse numa entrevista que gostaria de oferecer aos padres aquele padre (Gabriel) que ele havia interpretado no filme The Mission, de 1986, dirigido por Roland Joffé e com a belíssima trilha sonora de Ennio Morricone. Vale a pena ver (ou rever) e ouvir. De minha parte, gostaria de oferecer aos meus irmãos padres O Padre, de Paulo Emanuel Machado. Trata-se de uma das mais belas páginas encontradas no jornalzinho O Seminarista de 1995. Vou reproduzi-lo na íntegra ao final destas linhas.

Minutos antes de iniciar este artigo, um padre com mais de três décadas de sacerdócio, no meio de uma conversa, ao chegar em casa, depois da Missa dominical e de seus atendimentos, me falou assim: “Eu sou muito feliz como padre! Tenho muita alegria em rezar, em celebrar a Santa Missa e em atender com muito amor as pessoas. Para mim, o sacerdócio é minha união constante com Jesus. Somos amigos”. E dizia, ainda: “Sem essa união com o Senhor, não é possível perseverar”. Foi muito bom ouvir essas palavras, que me fizeram bem. Mudaram minha perspectiva. Estava ensaiando começar a escrever a partir de pensamentos tristes, de acontecimentos deprimentes (embora inegáveis). Ou, nas entrelinhas, endereçar-me para as queixas, as lamentações e afundar, inevitavelmente, na lama pegajosa do pessimismo. É melhor um pouco de gaudium et spes!

Confesso que estava recordando-me de um sacerdote que tempos atrás havia iniciado um livro intitulado Um padre falido. Ele abandonou esse projeto. Destruiu suas anotações. Conseguiu superar seu deserto e terminou, reconhecidamente bem, o seu fecundo ministério. Caminho “árduo e feliz”, ouvia nas rezas da Via crucis do Seminário. “Os homens o espremem, mas não o consumirão, porque o Padre renasce das cinzas como fênix”, assim acontece, como poetizava Paulo Emanuel Machado. Diante disso, sugeriria Charles Péguy: “La foi que j’aime le mieux, dit Dieu, c’est l’espérance” (A fé que eu amo mais, diz Deus, é a esperança).

Certo dia, fui atrás de um livro somente por causa de uma citação feita por Jean Guitton. Nesse livro, Diálogos com Paulo VI, conversando sobre o padre, disse o filósofo francês: “Recordo-me do que diz o herói de Stendhal, Julien Sorel, no fim do romance O Vermelho e o Negro, que foi o breviário para tantos espíritos: ‘Ah, se eu encontrasse um sacerdote, um verdadeiro sacerdote!’”. Detenho-me. Examino-me. Estremeço. Na esperança, rezo com o Santo Newman:

Esquece meus passos mal andados,

Meu desamor perdoa e meu pecado.

Eu sei que vai raiar a madrugada

E não me deixarás abandonado.

Faz-nos bem recordar os padres santos, testemunhas da esperança. Recordar também aqueles que compõem nossa história. Santos ou não. História na qual o Deus bondoso, misterioso, misericordioso e providente escreve a nossa redenção. Introduzo aqui as palavras do Bem-aventurado Álvaro Del Portillo: ¡Gracias, perdón, ayúdame más!”. Todos os capítulos de nossas vidas, com todas as suas estações e humanos temores cabem dentro dessas três palavras nos nossos momentos de oração.

Sim, foi providencial ouvir aquele sexagenário sacerdote dizendo com tanta espontaneidade: Eu sou muito feliz como padre, antes de começar a escrever. Olhar a vida do padre a partir de um coração agradecido, indiviso, por isso entregue inteiramente a Jesus no ministério, comunica um sentimento bom. Fez-me lembrar de outro padre, Mário Cuomo, sardo fidei donum, que muitos de nós o recordamos como servo do Amor Infinito (prega per noi, exsules filii Evae!). Um amigo em comum me confidenciou que um dia recebeu em sua casa a visita desse sacerdote e lhe perguntou: “Onde o senhor mora atualmente?”. Ele respondeu: “Aqui! Eu moro onde estou!”. Penso que Jesus nos interpela de vez em quando, como o Criador na origem: “Onde estás?” Como no Apocalipse (3, 20): “Estou à porta e bato…”. Lembro-me também da resposta de outro sacerdote, Dom Murilo Sebastião Ramos Krieger, então Arcebispo de Salvador, testemunhada por Dom Gilson Andrade da Silva. Perguntaram a ele como se sentia na nova missão. Ele, então, respondeu: “Meu coração está onde meus pés pisam”. Creio que essas palavras traduzem a unidade de vida desses homens. Homens que chegaram a uma bela síntese de suas vivências, de suas vicissitudes, no dom e compromisso. Já não são mais homens em fuga, “embriagados pela velocidade”, diria Dom Manoel Pestana Filho.

Do padre fala-se todos os dias. Bem e mal. Antecipando mais uma palavra de Paulo Emanuel Machado, “Os maus o odeiam e os bons o confundem com Deus”.  

Do padre espera-se muito. As palavras de Santo Agostinho ecoam exigentes, especialmente para nós padres: “Nós somos os tempos. Assim como formos nós tais serão os tempos”. Vasos de argila! “Carrega nos ombros o húmus que fez Adão” (Paulo Emanuel). Verifica-se também nele os versos de Thomas Fersen: “Moi qui me croyais un saint, il m’est apparu que j’ai un côté malsain donnant sur la rue” (Eu que me achava um santo, descobri-me tendo um lado doentio que dá para a rua). Sua vocação é fruto de um olhar misericordioso: Miserando atque eligendo. Disso não podemos nos esquecer.

O padre precisa voltar sempre seus olhos e seu coração a Jesus e à Mãe que lhe foi dada para recobrar suas forças, sua esperança, sua alegria e, assim, “ser o sinal que traz do Céu a luz, a paz, a graça, o suave Nome de Jesus”.

Aos padres, meus irmãos, “O Padre”, de Paulo Emanuel Machado:

O Padre é um homem estranho, porque carrega consigo a dureza do seu exílio. Deve carregar em suas mãos de barro – sem quebrar – a Taça do perdão, o Pão da Vida. Deve carregar silenciosamente, no peito, e em meio a dores de parto, a crueldade dos homens. E, apesar desta crueldade enorme, deve abençoar o homem, absolver o homem, tocar com o dedo do Criador o coração ferido do homem. O Padre leva consigo uma pedra branca com um Nome, um nome que só se consegue ler livre e despojado; um Nome que lavra a alma do homem em noites insones, um misterioso Nome feito de sangue e dor, feito de cinza e pó, que exangue, aniquila, destrói o homem para torná-lo homem. O Padre deve ser uno com o Nome, e sob o Nome deve deixar-se esmagar como no lagar a uva, como no altar Isaac: nu, pobre e sozinho. Se não for sensível como poeta, não será padre. Se não for médico ou solidário com os doentes, se não for construtor de casas de Deus ou pescador de homens, se não for um tanto de cada homem, não chegará nunca a bom padre. E mais: se não for criança, que salta e dança, fazendo da queda um pulo, da falta um ato de amor, jamais será padre. O padre reúne em si as ocupações do mundo, os pontos cardeais, as estações do ano, os ossos, os ofícios, os dentes que rangem para cuspir o gosto da terra (amargo). Carrega nos ombros o húmus que fez Adão, o peso do planeta, as nuvens da chuva, o sol poente, a constelação do Órion. O Padre nunca se queixa, nunca se cansa; os homens o espremem, mas não o consumirão, porque o Padre renasce das cinzas como fênix; como árvore enorme, abre os braços em cruz e oferece sombra aos homens. Por isso os maus o odeiam e os bons o confundem com Deus. Aquele que mordeu o Pão, guarda consigo a verdadeira Vida; aquele que bebeu o Sangue, não conseguirá beber a água dos lodaçais. Algo de Deus mesmo leva dentro de si o Padre. Suas mãos são a mão de Cristo; seus lábios, o lábio do Redentor. Coração de Deus. O Padre há de sofrer todos os dias de sua vida na terra. E se não sofrer, não será Padre, não será Pai, não será Mestre ou Pastor. Se não apertar nas mãos ungidas espinhos e vidro moído, não erguerá diante dos olhares dos bárbaros a Cruz que salva; não conseguirá ser este canal que traz do Céu a luz, a paz, a graça, o suave NOME de JESUS.

***

Leggersi dentro:

Recordar (re-cor-dare: trazer ao coração): Reserve um momento durante sua jornada hoje e busque na memória de seu coração os padres que passaram por sua vida e diga uma prece a Deus por eles (de ação de graças ou de perdão). Em qualquer lugar que eles se encontrem, neste mundo ou no outro, sua oração poderá ser um sollievo (alívio) para a alma ou o coração deles… ou para o seu.

 

 

PS.: Se Tu me dás a mão, não terei medo,

Meus passos serão firmes no andar.

Luz terna, suave, leva-me mais longe: 

Basta-me um passo para a Ti chegar.                                                     

(Newman).

Pe. Eli Ferreira Gomes 
Representante do Clero
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