A nova encíclica pretende responder à seguinte questão: “Quais são os grandes ideais mas também os caminhos concretos para aqueles que querem construir um mundo mais justo e fraterno nas suas relações quotidianas, na vida social, na política e nas instituições?”. O documento, tratado pelo próprio Papa como “encíclica social“, tem como pano de fundo as “admoestações” que São Francisco de Assis dirigia aos seus irmãos de comunidade, de forma a incentivar a vivência dos valores do Evangelho.
Tendo como pano de fundo a pandemia da Covid-19, que, conforme revela Francisco, “irrompeu de forma inesperada quando eu estava escrevendo esta carta”, a Fratelli Tutti quer mostrar que “ninguém se salva sozinho” e que chegou realmente o momento de “sonhar como uma única humanidade”, na qual somos “todos irmãos”.
Em 8 capítulos, o Pontífice destaca quais os pontos essenciais para que a fraternidade entre os povos possa, enfim, ser restaurada, segundo os valores do Santo Evangelho. Confira quais são eles e junte-se ao Papa nesta cruzada pela paz, respeito e unidade.
Capítulo 1: “As sombras dum mundo fechado”
O capítulo inicial trata das distorções que alguns dos conceitos mais importantes para uma convivência saudável entre todos possa estabelecer-se e permanecer: democracia, liberdade, justiça, o egoísmo e a falta de interesse pelo bem comum; a prevalência de uma lógica de mercado baseada no lucro e na cultura do descarte; o desemprego, o racismo, a pobreza; a desigualdade de direitos e as suas aberrações, como a escravatura, o tráfico de pessoas, as mulheres subjugadas e depois forçadas a abortar, o tráfico de órgãos, etc. Estes são problemas globais, que requerem ações globais, sublinha o Papa.
Capítulo 2: “Um estranho no caminho”
Neste capítulo, o Pontífice denuncia “uma sociedade doente, que vira as costas à dor e é ‘analfabeta’ no cuidado dos mais frágeis e vulneráveis”. O documento afirma que “somos todos chamados a estar próximos uns dos outros, superando preconceitos e interesses pessoais”. “O amor constrói pontes e nós somos feitos para o amor”, acrescenta o Papa.
Capítulo 3: “Pensar e gerar um mundo aberto”
O Santo Padre fala também sobre o princípio da “capacidade de amar segundo uma dimensão universal”. Trazendo mais uma vez à tona a “cultura do encontro” e de “uma Igreja em saída”, Francisco exorta cada um de nós a “sair de si mesmo” para encontrar nos outros “um acrescentamento de ser”, abrindo-nos ao próximo segundo o dinamismo da caridade, que nos faz tender para a “comunhão universal”. Ainda neste capítulo, Francisco destaca a função imprescindível da educação dada pela família, bem com questões como o direito à vida com dignidade. “Ninguém pode ser excluído, independentemente do local onde nasceu”.
É preciso pensar numa “ética das relações internacionais”, porque cada país é também do estrangeiro e os bens do território não podem ser negados àqueles que têm necessidade e vêm de outro lugar. Desta forma, o direito natural à propriedade privada será, portanto, secundário. Por fim, o capítulo aborda a questão da dívida externa: “embora se mantenha o princípio de que toda a dívida legitimamente contraída deve ser paga, espera-se, no entanto, que isto não comprometa o crescimento e a subsistência dos países mais pobres“.
Capítulo 4: “Um coração aberto ao mundo inteiro”
Este capítulo é dedicado inteiramente ao tema das migrações. Os migrantes devem ser acolhidos, protegidos, promovidos e integrados. O Papa aponta algumas “respostas indispensáveis” sobre essa questão: especialmente para aqueles que fogem de “graves crises humanitárias”, incrementar e simplificar a concessão de vistos; abrir corredores humanitários; oferecer alojamento, segurança e serviços essenciais; oferecer possibilidade de trabalho e formação; favorecer a reunificação familiar; proteger os menores; garantir a liberdade religiosa. Acima de tudo, pede uma legislação global para as migrações que vá além das emergências individuais.
Capítulo 5: “A política melhor”
Neste capítulo o Santo Padre afirma que “a melhor política” é aquela que representa uma das formas mais preciosas da caridade, porque está a serviço do bem comum e conhece a importância do povo. Este é o popularismo indicado por Francisco, que se contrapõe ao “populismo”, que ignora a legitimidade da noção de “povo”, atraindo consensos a fim de o instrumentalizar a serviço do seu projeto pessoal. Também neste tópico, a proteção ao trabalho como “uma dimensão indispensável da vida social”, visa assegurar que cada um tenha a possibilidade de desenvolver as suas próprias capacidades.
A verdadeira estratégia contra a pobreza não visa simplesmente a conter os necessitados, mas a promovê-los na perspectiva da solidariedade e da subsidiariedade.
Segundo o Papa, é necessário eliminar definitivamente o tráfico de seres humanos, “vergonha para a humanidade”, e a fome, que é “criminosa”, porque a alimentação é “um direito inalienável”. O Santo Padre espera que se possa passar de uma política “para” os pobres para uma política “com” e “dos” pobres, inclusive com um pedido de reforma da ONU, que “deve promover a força da lei sobre a lei da força”.
Capítulo 6: “Diálogo e amizade social”
Citando o nosso poeta Vinícius de Moraes, a Fratelli Tutti conceitua a vida como “a arte do encontro” com todos, também com as periferias do mundo e com os povos originais, porque “de todos se pode aprender alguma coisa: ninguém é inútil, ninguém é supérfluo”. O Papa faz um apelo ao “milagre da amabilidade”, uma atitude a ser recuperada, porque é “uma estrela na escuridão” e uma “libertação da crueldade, da ansiedade que não nos deixa pensar nos outros, da urgência distraída“, que prevalecem hoje em dia.
Capítulo 7: “Percursos dum novo encontro”
Refletir sobre o valor e a promoção da paz é o convite deste capítulo sobre as guerras, no qual o Papa sublinha que a paz é “proativa” e visa formar uma sociedade baseada no serviço aos outros e na busca da reconciliação e do desenvolvimento mútuo. Ligado à paz está o perdão: devemos amar todos sem exceção, mas amar um opressor significa ajudá-lo a mudar e não permitir que ele continue a oprimir o seu próximo. Perdão não significa impunidade, mas justiça e memória, porque perdoar não significa esquecer, mas renunciar à força destrutiva do mal e da vingança.
Francisco também pede para nunca esquecer “horrores”, perseguições e massacres étnicos, que devem ser sempre recordados novamente, para não nos anestesiarmos e para manter viva a chama da consciência coletiva. A guerra, segundo o Papa, é “uma ameaça constante”, que representa a “negação de todos os direitos”, “o fracasso da política e da humanidade”, “a vergonhosa rendição às forças do mal”. Temos de reafirmar fortemente “Nunca mais a guerra!”, sugere o Papa, que ainda pede que, com o dinheiro do armamento, deveria ser criado um Fundo Mundial para acabar de vez com a fome. Sobre a pena de morte, o Papa reafirma que é inadmissível e deve ser abolida em todo o mundo.
Capítulo 8: “Religiões ao serviço da fraternidade no mundo”
O terrorismo não se deve à religião, mas a interpretações erradas de textos religiosos, bem como a políticas de fome, pobreza, injustiça e opressão. Um caminho de paz entre a religiões é, portanto, possível; por isso, é necessário garantir a liberdade religiosa, direito humano fundamental para todos. E aqui está o papel da Igreja: ela não relega a sua missão à esfera privada e, embora não fazendo política, não renuncia à dimensão política da existência, à atenção ao bem comum e à preocupação pelo desenvolvimento humano integral, segundo os princípios evangélicos.
Fonte/foto: Vatican News