Diocese de Anápolis

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Direito eclesiástico

Até o século XI o direito eclesiástico moldava-se e funcionava em estreita simbiose com a teologia. Os concílios publicavam tanto decretos doutrinários como cânones que regulavam a vida da Igreja. Ao formular a doutrina teológica, os Padres abordavam diversas questões mais ou menos legais, como por exemplo a instituição do carisma, da lei e da liberdade, ou da autoridade e da obediência. Dedicavam grande atenção ao relaciona-mento com os pecadores públicos e à questão dos serviços da Igreja, isto é, às suas estruturas. O dinâmico desenvolvimento da teologia e do direito levou no século XI à separação dessas duas áreas de conhecimento e à sua transformação em disciplinas autônomas. Em Bolonha, a partir de 1088 granjeou fama européia a faculdade de direito, ao passo que Paris tornou-se a Meca dos adeptos da teologia. Estranhamente o método especulativo da escolástica contribuiu para o desenvolvimento do direito, e a técnica das disputas, adotada entre os juristas, penetrava no ambiente dos teólogos. 

Ambas as áreas de ciência eclesiástica, jovens quanto à sua autonomia, fortaleciam-se graças aos seus campeões: Pedro Lombardo e Graciano. Os quatro livros das Sentenças de Lombardo tornaram-se no decorrer dos séculos um manual acadêmico nas faculdades de teologia. O engenhoso monge que com o nome de Graciano entrou para sempre na história das ciências jurídicas e da cultura do Ocidente reuniu num todo acorde as coleções de leis muito numerosas, e por isso muitas vezes de difícil acesso, possibilitando a eficiência dos estudos eclesiástico-jurídicos.

A fascinação com as próprias disciplinas levou com o tempo a uma separação um tanto prejudicial, porque exageradamente radical, e à falta de cooperação. Em conseqüência os teólogos rapidamente distanciavam-se das realidades da vida, e os juristas demonstravam um certo exagero em jurisdicionar a Igreja.

Após a queda do Estado da Igreja em 1870, quando a Igreja estava ameaçada de perder a sua independência, indispensável para o cumprimento da sua missão específica, os juristas argumentavam com determinação que a Igreja é uma sociedade perfeita, e por isso lhe cabe a autonomia legal. Essa tendência era acompanhada por uma determinada visão da Igreja de caráter teológico, ou antes de legalidade exterior, que encontrou a sua expressão madura nos documentos de Pio IX, e especialmente de Leão XIII (enc. Immortale Dei de 1885). Por esse caminho chegou-se ao “jurisdicionamento” máximo da Igreja e à separação do direito da teologia dentro da eclesiologia. O direito hauria as suas forças vitais antes da filosofia que dos loci theologici. 

Dentro desse clima originou-se o Código do Direito Canônico (CDC), ou em latim Codex Iuris Canonici (CIC), que regulou a vida da Igreja de 1917 a 1983. Entretanto nenhuma lei da Igreja tem condições de eliminar a teologia, especialmente a eclesiologia. Se não direta e explicitamente, ao menos implicite pressupõe uma determinada visão da Igreja e uma teoria do homem. Além disso o Código de Direito Canônico de 1917 aborda temas que ex professo são tratados pela teologia: os sacramentos, a autoridade na Igreja, o relacionamento entre o clero inferior e superior e entre o clero e os leigos, as ordens religiosas ou o culto.

O novo Código do Direito Canônico, em vigor desde 1983, adicionou outras questões que interessam ao teólogo: direitos e obrigações dos fiéis, colégio dos bispos, Igrejas particulares, conselhos sacerdotais, conselhos pastorais, anunciação da Palavra de Deus.

Em outubro de 1967, o sínodo dos bispos adotou quase que por unanimidade os seguintes princípios do código que possuem significado para a teologia:1) preservar o direito legal do texto; “definir e providenciar os direitos e obrigações de cada um diante dos outros e diante da coletividade da Igreja, caso façam parte do culto divino e da salvação das almas”; 2) “entre o âmbito externo e o interno, que são próprios da Igreja e preservam o seu valor pelos séculos, deve haver uma tal coordenação que possibilite a ausência de conflito entre eles”; 3) introduzir na Igreja a sadia descentralização; 4) “em razão da igualdade fundamental de todos os fiéis e em razão da igualdade de obrigações e tarefas, apoiada na própria ordem hierárquica da Igreja, convém que os direitos das pessoas sejam definidos e garantidos; isso fará com que a realização da autoridade se manifeste mais claramente como um serviço, fortalelcendo a sua aplicação e afastando os seus abusos”8.

Na forma de gestação do novo código o teólogo encontra detalhes de seu claro interesse. Em 1966 os bispos do mundo inteiro receberam um convite para que apresentassem as suas observações à lei que se estava criando e para que os bispos, para a ulterior cooperação da comissão do código com o episcopado, apresentassem os nomes dos seus juristas como candidatos a peritos. Na equipe dos conselheiros foram incluídos muitos bispos e religiosos inferiores; recorreu-se também a peritos leigos, especialistas não apenas na área do direito, mas também na pastoral e na teologia. No período de preparação da nova legislação contribuíram para a sua elaboração pessoas dos cinco continentes, 31 nacionalidades, incluindo 105 cardeais, 77 arcebispos e bispos, 73 sacerdotes diocesanos, 47 religiosos, 3 religiosas e 12 pessoas leigas. Os esquemas publicados foram apresentados a todo o episcopado do mundo, às universidades e faculdades eclesiásticas e à União dos Superiores Maiores das Ordens Religiosas, com o pedido de manifestarem a sua opinião. “Não houve nenhuma observação que não fosse examinada com a máxima atenção e diligência” – assegura a “Introdução” ao novo código9.

O novo direito canônico constitui, portanto, um “lugar teológico” importante por diversas razões: 1) numa certa medida reflete não apenas a consciência eclesiástico-jurídica, mas igualmente a consciência teológica da Igreja; 2) apesar da restrição feita na “Introdução” de que os criadores do código estão preocupados em apresentar o direito, e não transformá-lo num outro tipo de literatura, encontramos no código muitos elementos teológicos; 3) visto que o CDC é considerado com razão um livro que se encontra sob o especial cuidado do magistério da Igreja, deve-se admitir que a função magisterial se encontra também por trás dos elementos de teologia que encontramos no código.

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