Quinta-feira Santa – Missa do Crisma
13 de abril 2017
Espírito de sacrifício e de missão
O nosso “encontro de Cenáculo”, esta celebração de hoje, Missa do Santo Crisma na Quinta-feira Santa, acontece no Ano Jubilar da nossa Diocese – 50 anos de graças e compromissos, tempo de lembrar, empenhar-se no presente, sonhar com um futuro. Dois aspectos, neste contexto do Jubileu e do sacerdócio, gostaria de abordar hoje: espírito sacerdotal de participação no sacrifício de Cristo e os apelos que Deus nos faz, chamando-nos para à missão.
1. Carregar em nós a Paixão do Senhor – espírito de sacrifício.
“Podeis beber do cálice que eu vou beber?” – perguntaram a Jesus Tiago e João, filhos de Zebedeu, desejosos de sentar um à direita e um à esquerda de Jesus na sua glória. Eles responderam prontamente: “Podemos”. Jesus, então, lhes respondeu: “Sim, do cálice que que eu vou beber, bebereis…”(Mc 10, 35-39).
Beber do cálice de Jesus é participar da paixão e morte redentora, aceitar livremente como cumprimento da vontade do Pai, para o bem da humanidade. Outras vezes também Jesus indicou o caminho da participação na sua oferta final aos que deixaram tudo e o seguiram – os Apóstolos.
Seguir Jesus é decidir-se incondicionalmente ao que vier, em nome de Jesus. Os Apóstolos deram seu “sim” definitivo e, a partir daí, perderam, de qualquer modo, o domínio de si, de suas vidas presentes e futuras. A São Pedro Jesus indagou por três vezes: “Tu me amas?” E três vezes Pedro afirmou o seu amor. Em seguida, Jesus lhe pronunciou a profecia: “Em verdade, em verdade te digo: quando eras jovem, tu mesmo amarravas teu cinto e andavas por onde querias; quando, porém, fores velho, estenderás as mãos e outro te amarrará pela cintura e te levará para onde não queres ir”. Jesus dizia isto para dar a entender com que morte Pedro iria glorificar a Deus (Jo 21,18-19): uma vida de renúncias e sofrimentos por causa de Jesus e o martírio.
São Paulo, por sua vez, confessa que quando conheceu Jesus, o amor por ele se tornou tão grande que as outras coisas foram como lixo. Vejamos as proporções que são Paulo dá ao seguimento de Cristo! Sofreu toda espécie de dificuldades, vindas de todo tipo de fatores. Por fim, concluiu: “Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja” (Col 1, 24).
Pessoalmente, considero esta frase a mais bela identificação do cristão com Cristo e com a sua Igreja. Somos chamados a sermos corredentores com Cristo, aceitando e assumindo por um motivo claro e com a determinação certa a vida com suas alegrias e dores e santifica-los pela oferenda a Jesus Cristo para o bem da Igreja.
Os modos de estar unidos à Paixão de Cristo são numerosos e provem do dia a dia. Saber renunciar a si mesmo para estar a disposição da Igreja, dos paroquianos, atender com paciência e compreensão, considerar cada pessoa como pessoa única e diferente, corrigir com caridade, dominar os impulsos, guardar silêncio quando dá vontade de falar fora do bem de alguém, mortificar a língua, os pensamentos, os apetites e ambições. Aceitar e trabalhar as nossas limitações de caráter. Não deixar prevalecer as nossas opiniões pessoais sobre o bem do próximo e sobre o bem da Igreja. De forma especial, quando a doença ou um outro mal se abater sobre nós, saber aceitar com serenidade e no espírito da fé.
Viver o espírito de sacrifício é a característica do sacerdote. O sacerdócio vivido sem o espírito de sacrifício não é autêntico, não é vivido em plenitude. Pode ser eficaz pastoralmente, mas não será eficiente como ministério da salvação. Expõe facilmente o sacerdote até ao fracasso da vocação.
Vivemos numa cultura que foge do sacrifício. Não conhece a renúncia. Fala da autorrealização como uma série de sucessos e bem-estar. Nós somos filhos desta cultura, sofremos suas influências e alguns sacerdotes caem até nesta tentação. Nós não nos podemos conformar com estas tendências. Tenhamos presentes as palavras de São Paulo aos Romanos (12,1-2): “Eu vos exorto, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, a oferecerdes vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a Deus: é este o vosso culto espiritual. Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito”.
Desta maneira, seremos também o “rosto alegre da Boa Nova”, na expressão do Santo Padre o Papa Francisco, mostrando e anunciando que Cristo não morreu para ficar no sepulcro definitivamente, mas o sepulcro era uma etapa, o anúncio da gloriosa Vitória na Ressurreição. A nossa vida participada na Paixão de Cristo é também anúncio da nossa vitória alegre no Cristo Ressuscitado. Um sublime mistério que une a mortificação da cruz com a alegria da Ressurreição. Muitas vezes ouvimos as acusações de que a Igreja prega a face triste da vida, tem uma visão negativa das realidades humanas. Estes críticos, infelizmente, ficam só na etapa do sepulcro e não tem coragem ou visão de enxergar o cristianismo como portador da felicidade completa e da dignidade da pessoa humana na ótica da vitória de Cristo.
2. “Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20,21).
Um outro assunto que queria colocar diante da vossa consideração é o espírito missionário. Foi clara a ordem de Jesus aos Apóstolos: “Ide”. Foi no dia da Ressurreição, primeiro da semana, na primeira aparição. Para isso deu a eles o Espírito Santo e os poderes de perdoar os pecados. Faz-nos pensar que Jesus teve pressa em deixar esta ordem. Jesus os preparou para isso. Para isso receberam o Espírito Santo. O primeiro ato depois da Vinda do Espírito Santo foi sair na praça e enfrentar uma multidão de homens e mulheres presentes em Jerusalém. Eles pregaram; o Espírito Santo fez o sucesso. Desde então, a Igreja tem inscrito no seu DNA o aspecto missionário. Sem isso não há Igreja. Sem ser a “Igreja em saída”, na expressão do Papa Francisco, a Igreja não é o que Cristo espera dela. Os “cristãos de sofá”, que se reúnem para discutir diversos assuntos de religião, tomam notícia dos atentados contra os cristãos nos Oriente Médio, fazem uma e outra crítica a este ou àquele, vivem uma fé morta, estéril, sem produzir frutos até para a própria salvação.
Na Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium” o Papa Francisco usa as seguintes palavras: “A evangelização obedece ao mandato missionário de Jesus (…) Na Palavra de Deus, aparece constantemente este dinamismo de “saída”, que Deus quer provocar nos crentes. Abraão aceitou o chamado para partir rumo a uma nova terra (cf. GN 12,1-3). Moisés ouviu o chamado de Deus: “Vai! Eu te envio (Ex 3,10), e fez sair o povo para a terra prometida (Cf. ex 3,17). A Jeremias disse: Irás aonde eu te enviar” (Jr1,7). Naquele “ide” de Jesus, estão presentes os cenários e os desafios sempre novos da missão evangelizadora da Igreja, e hoje todos somos chamados a esta nova “saída” missionária”. (EG 19 e 20).
Ao celebrarmos o Jubileu de Ouro da Diocese, várias vezes repetimos que a nossa realidade é fruto da ação de missionários e missionárias do passado. Sem eles não seriamos o que somos e temos hoje, pela graça de Deus.
Hoje, neste Cenáculo da Igreja que está em Anápolis, ouso dizer: chegou a nossa vez! Em diversos momentos da preparação e da vivência do Jubileu falamos de deixar uma marca desta data. Surgiram várias ideias. A mim, pessoalmente, parece que a marca mais frutuosa e que mais agradaria a Deus seria a nossa coragem de ser Igreja missionária, ambiciosa de abrir seus horizontes. Deus nos agraciou com o número bom de vocações sacerdotais. Celebraremos este Jubileu com 13 Ordenações diaconais e, se Deus quiser, concluiremos com a Ordenação sacerdotal de dezessete sacerdotes. Isto dá para pensar. Deus nos envia sinais, por este meio e por outros, da sua vontade de querer confirmar-nos como Igreja missionária, corajosa de sair de si e assumir as preocupações da Igreja Universal. Estou recebendo pedidos de vários bispos das dioceses onde faltam sacerdotes. Já estamos fazendo alguma coisa, mas ainda somos tímidos neste campo. Aguardam-nos amplos horizontes de missão: nosso Regional, o Nordeste, Amazônia, quem sabe África…
Coragem, irmãos sacerdotes! Ousem a enfrentar o desafio do novo, do desconhecido, do incômodo. Afinal, o espírito missionário anda sempre unido ao espírito de desprendimento e de sacrifício. Não vivemos para nós mesmos. Vivemos para os outros, para a Igreja, para Deus. Se uma vez dissemos o nosso “sim”, que este sim seja pleno e generoso.
Coragem, sacerdotes de Anápolis! A Igreja nos espera. Será a nossa bela resposta à graça das vocações.
Como é do meu costume, aproveito a data de hoje para externar os meus sentimentos de gratidão a Deus pela Diocese, pelo apostolado realizado de tantas formas, por vocês e pelo trabalho desenvolvido nas paróquias a vós confiadas. Mais uma vez, durante os últimos dias da Quaresma, vi nas palavras e nos rostos cansados impressa a alegria de servir e de ver tantas almas devolvidas à graça de Deus no sacramento da Reconciliação. Como dizia no ano passado, cada confissão é uma vida exposta diante de nós. Pessoas arrependidas, sinceras, com lágrimas nos olhos, desejosas da libertação e da divina misericórdia.
Agradeço-vos pela dedicação no cumprimento fiel das tarefas pastorais, pela fidelidade à doutrina da Igreja, pelas atitudes paternas e acolhedoras em confronto com os fiéis, pelo desejo de construir o nosso Presbitério, unido e equilibrado.
Peço-vos perdão, assim como peço que se perdoem mutuamente e que não fiquem entre nós arranhões de incompreensão, inveja, falta de caridade, nada que possa denegrir a honra e a dignidade de cada um. Saibamos lavar os pés uns dos outros…
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.
+ João Wilk, Bispo Diocesano.