1. Dom João, sobre os casos de pedofilia na Igreja: – o que o sr. acha da recente decisão do Papa Bento XVI, de abrir a Igreja para investigações nesse sentido?
Permita-me modificar a pergunta: o que a Igreja fez e continua fazendo a respeito das denúncias desse tipo?
A Igreja, nos últimos dias, tornou-se alvo de noticiários sobre os caos de abuso sexual contra crianças e adolescentes praticados por alguns dos seus membros. O Santo Padre manifestou a sua tristeza e até vergonha, pediu perdão, conclamou à conversão. Manifestou esta atitude e estes sentimentos na recente carta aos fiéis da Irlanda e durante a última visita apostólica em Malta.
Na corrente das denúncias pelos meios de comunicação, há acusações de que o próprio Papa, ainda arcebispo e cardeal, teria encoberto essas denúncias.
Tenha-se presente que os noticiários, normalmente, trazem opiniões sobre os documentos da Igreja, mas não informam o seu conteúdo integralmente. É importante conhecer o conteúdo dos mesmos, para conhecer o pensamento e os procedimentos da Igreja. Quero, portanto, citar o texto da instrução da Congregação para a Doutrina da Fé, de maio 2001, referente aos cânones do Direito Canônico que falam de delitos gravíssimos contra a fé e contra a moral. A instrução determina o modo de proceder das autoridades eclesiásticas nos casos de transgressão contra a Eucaristia e “contra a moral, isto é: o delito contra o sexto mandamento do Decálogo, cometido por um clérigo com um menor de 18 anos”. Prescreve os procedimentos devidos à autoridade eclesiástica. “Sempre que o ordinário ou o hierarca tiver notícia pelo menos verossímil de um delito reservado, após realizar uma investigação preliminar, deve comunicá-la à Congregação para a Doutrina da Fé, a qual, a não ser que por particulares circunstâncias não avocasse a si a causa, ordena ao ordinário (bispo local) ou ao hierarca, ditando oportunas normas, que proceda a ulteriores averiguações através do próprio tribunal (eclesiástico). (…) Deve-se notar que a ação criminosa acerca dos delitos reservados à Congregação para a Doutrina da Fé se extingue por prescrição em dez anos. A prescrição decorre conforme a norma do direito universal e comum; mas num delito contra um menor cometido por um clérigo começa a decorrer a partir do dia em que o menor completar 18 anos. (…) Todos os tribunais da Igreja latina e das Igrejas católicas orientais são obrigados a observar os cânones sobre os delitos e as penas e também sobre o processo penal. (…) Fazem-se votos para que não só sejam evitados totalmente os delitos mais graves…”.
Este documento é assinado pelo então cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, e pelo seu Secretário Dom Tarcísio Bertone, hoje Secretário do Estado do Vaticano. É um texto severo e determinante. Sem dúvida, contribuiu para o apelido de “panzercardeal” aplicado ao então cardeal Ratzinger.
Quais as consequências desta instrução? As denúncias confirmadas como verídicas, resultaram na exclusão dos acusados do estado clerical, punição mais alta na ordem espiritual. Atualmente, estes procedimentos terão uma atenção ainda maior.
Hoje, esta temática adquiriu aspecto de um “pânico moral”. Alguém disse e todos acreditam que é verdade. No entanto, note-se, que o acusado tem o direito a defender-se da acusação e que, enquanto acusado, não pode ser tratado como condenado. Normalmente, nos casos em questão acontece isso. E é uma injustiça…
As autoridades eclesiásticas locais seguem as instruções acima citadas. A justiça civil faz a sua parte e a justiça eclesiástica faz a dela, no mútuo respeito. Quando há acusação contra um eclesiástico, este, por cautela, é retirado das funções do ministério público, até que se verifique a acusação. Comprovada a eventual culpa, executa-se a sentença civil e executam-se as sanções eclesiásticas.
Neste caso, a própria Igreja sente-se lesada pela ação delituosa de uma dos seus membros, porque não ordenou sacerdote a um transgressor, mas alguém que deu sinais de integridade, reta intenção e assumiu compromisso de pessoa madura e adulta. Antes da ordenação sacerdotal é feito um interrogatório para averiguar estas qualidades e disposições.
2. Há uma corrente de opinião que advoga que os casos de pedofilia na Igreja devem-se ao celibato dos sacerdotes. O que o sr. acha desse tipo de argumento?
Sim, há esta opinião. Mas não há nexo entre a pedofilia ou efebofilia e o celibato. Há, infelizmente, sacerdotes pedófilos. Mas há também pastores evangélicos pedófilos, pais de família pedófilos, professores pedófilos etc. Nem mais nem menos! Aliás, a grande maioria dos abusos de menores dá-se no recinto da própria família. Os Conselhos Tutelares que o digam… Aqui deveria-se dar a voz aos psiquiatras e aos psicólogos… A corrente que liga um transtorno de personalidade com o estado de celibato, é simples oportunismo.
O estado celibatário é conhecido não só na Igreja Católica. É abraçado pelas pessoas por diversos motivos e inspirações. Na Igreja Católica, assumido livre e conscientemente pelos que abraçam a vocação sacerdotal ou consagração religiosa, é vivido como dom especial da graça de Deus e forma de dedicar-se a um ideal. Jesus disse: “Nem todos são capazes entender isso, mas só aqueles a quem é concedido. De fato, existem eunucos (celibatários) que nasceram assim do ventre materno; outros foram feitos eunucos por mão humana; outros, ainda, tornaram-se eunucos por causa do Reino dos Céus. Quem puder entender, entenda” (Mt 19, 10-12). Por causa do Reino de Deus… Quem quiser entender, entenda. Há quem não entende, e não quer entender. E isso não é estranho, pois só entende, a quem foi dado esse dom. Nós vivemos numa cultura de “pansexualismo”: sexo em todas as partes, sexo acima de tudo e em tudo. O desempenho sexual tornou-se o ideal máximo e a medida de masculinidade e feminilidade. Pensar diferente, significa ser “anormal”. Onde a medida da felicidade e da masculinidade é a “virilidade física”, a virilidade interior parece ser impossível, e é até ridícula. Da absolutização do aspecto físico da masculinidade ou feminilidade para achar impossível uma forma superior ou diferente das mesmas, o passo é imediato. Daí, viver o celibato, é visto como impossível de ser feliz, autêntico e íntegro moralmente.
3. Ainda sobre celibato: afirma-se que essa instituição não vai durar muito tempo, que o próximo papado vai aboli-la. O sr. acredita em tais prognósticos?
Vamos aguardar o próximo Papa… Esta discussão não é de hoje. Sempre existiu, sempre questionou, sempre incomodou. Mas, também, sempre atraiu, suscitou números grandes de consagrados, missionários, homens e mulheres de caridade, sacerdotes, santos e santas. Hoje, nas mentes dos dirigentes da Igreja não há perspectivas de mudar a atual disciplina eclesiástica a respeito do sacerdócio celibatário na Igreja latina.
4. Ao mesmo tempo, há um renascimento de católicos não só no Brasil, como em toda a América Latina, um nítido aumento do número de fiéis. A que o sr. credita esse fenômeno?
Jesus disse: “Edificarei a minha Igreja, e as forças do Inferno não poderão vencê-la.” (Mt 16, 18). Nenhuma crise, portanto, nem de dentro, nem de fora, poderá abalar o que é divino. A Igreja é divina, e os fiéis são atraídos para dentro da Igreja não pelo brilho dos atrativos humanos, mas pelo poder de Jesus Cristo e pela beleza do seu Evangelho.
O lado humano, porém, é importante. Lembremos, que os escândalos de que falamos, adquirem proporções grandes devido aos evidentes exageros, manipulações, tendências ideológicas e interesses diversos (!). Não é hora de falar em números, mas os casos a que se referem, embora verídicos, são minúsculos diante dos casos verificados na sociedade civil, nas instituições privadas ou públicas, e, porque não dizer isso francamente, nas outras denominações religiosas, que, por sua vez, andam também preocupadas com o fenômeno.
Há, atualmente, na Igreja um trabalho intenso e de qualidade por parte de um grande número de sacerdotes e religiosos(as), de leigos(as) engajados, católicos que não apenas praticam a religião, mas vivem de forma consciente e comprometida a sua fé, no amor profundo a Deus, à Igreja, ao próximo.