Creio, Senhor, mas aumenta a minha fé!
Irmãos e irmãs na fé em Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo.
Este ano estamos celebrando a solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo com uma expressão diferente dos anos anteriores. Em adoração, diante do Santíssimo Sacramento, celebramos o Ano da Fé. Por isso nos reunimos, fiéis de todas as paróquias da nossa Diocese, para expressar a nossa fé e o nosso amor a Deus e ao seu plano salvífico em prol de toda a humanidade. É a nossa expressão da unidade de um só povo que caminha rumo à eternidade na unidade dos irmãos, na comunhão com toda a Igreja peregrina. Juntos, conscientes da nossa eleição, professamos e suplicamos: “Creio, Senhor, mas aumenta a minha fé”.
Este Ano da Fé, lembremos mais uma vez, foi proclamado como forma de celebração dos 50 anos da abertura do Concílio Vaticano II. O Papa João XXIII na abertura do Concílio apresentou que a ideia do Concílio era de renovar a fé imutável da Igreja, apresentá-la aos homens e mulheres do nosso tempo em termos atualizados, torna-la mais compreensível: “o espírito cristão, católico e apostólico do mundo inteiro espera um progresso na penetração doutrinal e na formação das consciências, em correspondência mais perfeita com a fidelidade à doutrina autêntica”. Com esta perspectiva, nós também queremos renovar a nossa fé e colocá-la, imutável, diante dos desafios e paradigmas do nosso tempo. Durante este Ano da Fé, seguindo o convite do Papa Bento XVI, recitamos com frequência e mais fervor o “Símbolo Apostólico” (o Creio). As paróquias promoveram as Escolas da Fé. Nas novenas em preparação das festas dos padroeiros foram explanadas verdades da fé. Tivemos Congresso Teológico centrado no tema da fé. E muitas outras iniciativas.
Hoje, diante do Santíssimo Sacramento, queremos formular a nossa atitude de povo crente olhando a cultura que nos rodeia que pede de nós respostas concretas.
1) Uma fé dos “se”. O Apóstolo São Tomé, diante do entusiasmo dos irmãos Apóstolos: “Nós vimos o Senhor”, respondeu: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos, se eu não puser a mão no seu lado, não acreditarei”. Uma fé dos “se”. Uma fé cheia de condições. Uma fé com “pé atrás”, reticente, duvidosa, sem comprometer-se. Será que também nossa fé é assim? Perguntamo-nos se também nós não somos tíbios, “prudentes”, duvidosos, com receio de entrar no jogo? Sem dúvida, temos testemunhos de muitos dos irmãos que manifestam a fé corajosa, autêntica e decidida. Mas não podemos discordar que a nossa cultura cristã é marcada demasiadamente por falta de total confiança n’Aquele que nos anunciou o amor do Pai e a sua Salvação. Praticamos, mas sem fervor. Participamos, mas até quando? Atuamos nas pastorais, mas na primeira dificuldade desistimos por nosso orgulho e egoísmo ferido. Para afervorar a nossa fé, repetimos as últimas palavras de Jesus na cruz: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23, 46). Jesus pela perseverança e fidelidade salvou o mundo!
2) Creio na realidade sobrenatural. Humanamente, não vimos a não ser a realidade que nos rodeia e é acessível aos nossos sentidos. O ateísmo está-se tornando uma doutrina quase obrigatória em muitos ambientes. Vai desde a indiferença, à veemente negação de toda a realidade sobrenatural, e alcança patamares de perseguição aos que creem, sobretudo aos cristãos. No entanto, não somos apenas matéria. A fé nos faculta uma visão superior, acima das nossas experiências sensíveis. Pela fé nos abrimos para as realidades divinas. Cremos em Deus, Uno e Trino, nos anjos e nos santos.
3) Creio em Deus Criador. Diante da cultura que insiste em separar a fé e a ciência, vida civil e vida espiritual, medrosa de reconhecer Deus como fonte e origem de tudo que possa existir, que acusa a fé de desprovida de argumentos lógicos, de reduzir o horizonte da verdade apenas ao que se percebe e experimenta, nós cremos que o mundo é fruto do grande amor de Deus, fruto do seu desejo de comunicar suas perfeições e convidar todos os seres à felicidade plena e duradoura. Somos de Deus; dele saímos, nele vivemos, para Ele caminhamos, na ansiosa espera do encontro definitivo.
4) Creio na Promessa. No antigo Testamento, Deus fez as promessas de fazer do seu povo um povo numeroso, de dar-lhe uma terra de prosperidade, de enviar o seu mensageiro, o Messias. Em Jesus Deus Pai realizou esta promessa. Por sua vez, em Jesus deu-nos a promessa maior – a de vida eterna. A vida futura, sem fim, em Deus, é o nosso horizonte seguro. Esta é a principal perspectiva para o cristão, garantida pela autoridade de Jesus Cristo e selada pela sua gloriosa e vitoriosa Ressurreição. Isto é muito importante, porque vivemos uma cultura de descrença e de materialismo, do imediato e do prazeroso, de ambição e de competição. A sociedade não dá espaço para outras reflexões. Sedenta, porém, de algo mais, corre atrás das propostas ilusórias. Devemos cuidar para que também nós não cedamos a esta cultura. Pelo contrário, com a nossa fé convicta demos dar testemunho edificante de que a vida é bela, mas passageira e a eternidade se aproxima com tudo que Deus preparou para aqueles que O amam.
5) Creio na Graça. Deus não nos deu apenas promessa de viver na comunhão com Ele. Deu-nos, em Jesus Cristo, a graça, que já aqui é antecipação desta comunhão. Jesus nos garantiu que não nos deixaria sozinhos. Não somos abandonados nesta peregrinação. O Espírito Santo de Jesus nos acompanha, com a sua constante proteção e assistência, com seus dons que nos predispõem a uma vida de homens e mulheres dignos, na alegria e na paz interior. Quem cultiva esta graça, pode testemunhá-lo.
6) Creio na Palavra de Deus. A Palavra de Deus, cuja plenitude é o próprio Jesus Cristo, é portadora do amor de Deus. Deus nos fala para nos ensinar a respeito das suas verdades e da verdade sobre nós. Mais ainda, a sua fala é o seu amor comunicado a cada um de nós. Quando a escutamos com abertura do espírito e com fé, comungamos o próprio Deus: Ele está em nós e nós estamos n’Ele. Pelas Sagradas Escrituras, com a nossa inteligência, conhecemos o plano de Deus a nosso respeito e, com a vontade decidida damos a nossa resposta, acolhemos com convicção o que Deus nos fala.
7) Creio na Igreja. Não há fé plena, sem ser a fé da Igreja. A Igreja é a nossa casa da fé e espaço da nossa salvação. A Igreja nos gerou para Deus, no Batismo. Ela nos educou nos caminhos da fé. A fé da Igreja é a nossa fé. A nossa fé se identifica com a da Igreja, nela se expressa e nela se fortalece. Somos membros vivos da Igreja, Povo santo de Deus. Reconhecemos a Igreja como benfeitora da humanidade, com sua história, seu amplo apostolado missionário, suas obras de caridade e de cultura. Nenhuma realidade histórica pode elencar tão grandes e numerosas obras de bem que marcaram a humanidade como a Igreja Católica. Perseguida, incompreendida, martirizada nos seus membros, sempre foi fiel e humilde. A sua história é a história de cada um de nós. É preciso dar valor à Igreja, especialmente quando por desconhecimento somos levados a duvidar da sua integridade. A Igreja é Cristo vivo presente no mundo. Amemos a Igreja! Sejamos fieis a ela!
8) Creio no dom do sacerdócio, dado por Cristo ao seu Corpo, que é a Igreja. É Cristo Servo que está a nossa espera no serviço do Papa, do bispo, dos sacerdotes e diáconos. Jesus os suscitou e os chamou, para Ele nos poder servir. É importante ter presente que o trabalho dos ministros ordenados é necessário à Igreja e é insubstituível, em vista da nossa salvação.
9) Creio na fé operosa. A Escritura nos adverte que a fé sem obras é morta e que mostramos aos outros o valor da fé pelos gestos concretos. O Santo Padre Papa Francisco, com termos iluminados, fala que precisamos sair do nosso individualismo e ir ao encontro dos outros. Adverte-nos para que não nos tornemos cristãos acomodados. Reconheçamos que temos a tendência de separar a devoção do compromisso, a piedade do engajamento, a sensibilidade espiritual da sensibilidade social. Não é assim. A piedade busca naturalmente adorar Deus na sua divindade e no próximo que é a morada do Espírito Santo. Por sua vez, o bem feito por amor a Jesus suscita mais desejo de O adorar.
10) Creio na família segundo a imagem e semelhança de Deus. A família, sem sombra de dúvida, é o valor mais agredido na cultura atual. Não esqueçamos, porém, que a família é o mais importante e expressivo valor que se identifica com a cultura cristã. É preciso afirmar de novo que a família é dom precioso de Deus, é obra da sua criação. Não pode ser reduzida a simples ideia de produto de uma cultura, passível a mudanças e de ser substituída por outras formas de uniões estáveis. Diz o livro de Gênesis: “Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou. Homem e mulher os criou. E Deus os abençoou e disse: Sede fecundos e multiplicai-vos” (Gn 1,27-28). A família é instituição divina. É realidade natural do ser humano. Primeira célula da sociedade e primeira comunidade da Igreja, Igreja doméstica. Como imagem e semelhança do Deus Trino, comunidade de amor, é fundamentada no amor recíproco dos esposos, no amor sólido, fiel e permanente. O cristão, para ser coerente com a sua fé, não pode desistir desta certeza. Não pode cogitar outras formas de viver o amor humano a não ser o amor familiar, amor-doação, não apenas um prazer egoísta. Mesmo se esta convicção possa nos custar perseguições, não podemos desistir de acreditar na família, defendê-la e propagá-la.
11) Creio na sacralidade da vida. É inseparável da família a ideia da transmissão da vida. De novo, diante da cultura da morte, renovamos a adesão à cultura da vida, porque Deus em quem cremos é o Deus da vida. Continuaremos nos opondo à ideia do aborto, da eutanásia, das fecundações “in vitro”, que para conseguir algum efeito sacrifica muitos embriões. Continuaremos na firme posição de apoiar os cientistas que se empenham nas pesquisas com células tronco adultas com perspectiva de reproduzir órgãos do organismo humano, e seremos contrários às pesquisas com células embrionárias, que para alcançar um suposto fim humanitário sacrificam, sem perspectivas plausíveis número incalculável de embriões humanos. Igualmente, comprometemo-nos com a vida em todas as suas formas, que também sofre agressões com assassinatos, poder destrutivo das drogas, no aspecto ecológico e ambiental.
12) Creio na bondade dos homens e mulheres. Como ver o bem nas pessoas, se a cultura de violência é tão presente e assustadora? Há uma tentação de acreditar na vitória do mal e reduzir o bem às migalhas. Jesus nos advertiu que seremos como ovelhas enviadas entre os lobos. É preciso olhar a realidade com olhos redimidos, ouvir com os ouvidos redimidos, falar com palavras redimidas, conviver com relações redimidas. Por sermos herdeiros da vitoriosa Ressurreição do Senhor, temos paz no coração e com esta paz convivemos com o mal sem se deixar atingir por ele. Praticamos o bem, porque acreditamos que o mal se vence com o bem. Valorizamos o outro porque é filho de Deus. Perdoamos, porque o perdão nos enobrece; é modo de agir do Senhor.
13) Creio na força dos jovens. Os jovens são a alegria do presente e esperança do futuro da sociedade e da Igreja. Admiramos o seu entusiasmo e a pureza dos ideais. Somos lhes gratos pela espontânea participação na vida espiritual das nossas comunidades. A eles, porém, devemos rodear de amor fraterno e compreensivo. Diante da sua pureza, devemos ser os primeiros a mostrar o ideal da vida segundo o modelo de Jesus, antes que o mundo os atraia. São ainda frágeis e expostos demasiadamente aos atrativos de tendências nocivas. Devemos caridosamente protegê-los.
14) Creio e adoro! Por fim, todas estas exigências de uma fé autêntica precisam ser carimbadas no precioso dom da Eucaristia. Estamos diante do mais sublime mistério do amor de Jesus por nós e pelo mundo inteiro. A sua presença é tão simples e humilde, num pedaço de pão e algumas gotas de vinho, que até nos sentimos incrédulos: como pode? será verdade? Sim, é verdade, e nós o cremos e por isso o adoramos. Na adoração deixemo-nos modelar pelo amor de Jesus. Aprendamos de Jesus as virtudes eucarísticas: amor, sacrifício, presença, comunhão, missão.
Ser amor é saber doar-se e buscar desinteressadamente o bem do outro.
Ser sacrifício é saber doar-se até o sacrifício na fidelidade do amor. Pais e filhos, na convivência familiar, na paciência com os filhos, no respeito pelos pais, na inteligente presença nas decisões dos filhos jovens. Bispo, sacerdotes, diáconos, consagrados, na fidelidade aos votos e propósitos, na caridade pastoral, no atendimento aos fiéis, na perseverança, nas contrariedades da vida de cada dia, na doação para o Reino até os limites das possibilidades humanas. Profissionais, no honesto e responsável exercício da profissão, conscientes de que o trabalho não é apenas forma de ganhar a vida, mas exercício da participação na construção do bem comum, de uma sociedade justa, fraterna e solidária.
Ser comunhão é perceber-se na forma de ser Igreja. Somos convocados a construir as comunidades eclesiais superando o individualismo, anonimato e indiferença. As nossas paróquias tem a vocação de serem casas de comunhão, famílias espirituais de todos. A ideia de ser comunhão deve nos inspirar como forma mais própria do ser da nossa Diocese e das nossas Paróquias. Todos, construtores da comunhão.
Ser missão é fazer com que a celebração e a adoração da Eucaristia alcancem seu fim na transformação social e no compromisso de evangelização e de caridade. Não se participa frutuosamente da Eucaristia se depois não se parte em missão e para praticar obras concretas de valor humano.
15) Por fim, desejo agradecer a todos vocês que aqui vieram. De um lado, é dever de cada um, mas também um belo testemunho. É uma forma concreta de celebrarmos a nossa comunhão diocesana. Caminhemos neste sentido. Muito obrigado pelo vosso engajamento na vida da Igreja. Meu agradecimento especial aos nossos queridos padres. São eles que no dia a dia estão ao lado do povo de Deus, servindo-lhe a Palavra de Deus, santificando-o pelos sacramentos, conduzindo-o nos caminhos do bem e da santidade.
Deus lhes pague! Louvado seja N. Sr. Jesus Cristo!
Dom João Wilk, Bispo de Anápolis – GO