Diocese de Anápolis

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Ordenação Diaconal – 2009

13/12/2009

HOMILIA NA ORDENAÇÃO DIACONAL
Festa de Nossa Senhora de Guadalupe

Marcados com a unção do Espírito Santo para servir

 Queridos Irmãos e Irmãs,

Queridos eleitos para a Ordem do Diaconato.

Mais uma vez, a nossa Igreja de Anápolis se alegra com o dom precioso que a bondade divina lhe oferece em forma dos seis jovens que serão ordenados diáconos e posteriormente, com a graça de Deus, serão ordenados sacerdotes. A alegria e a gratidão invadem os nossos corações. Esta tão bela cerimônia acontece na festa de Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira das Américas.

O presente ato da ordenação diaconal assinala o primeiro grau do Sacramento da Ordem. A ideia do serviço é colocada como base de uma série de ordenações sacramentais que constituem o Sacramento da Ordem.

Queria percorrer os elementos do interrogatório que será feito daqui a pouco e antes da ordenação. Os itens deste interrogatório pautam o que marca de forma tangível o momento do diaconato.

Antes de tudo, consideremos que o próprio interrogatório indica que a ordenação, e todas as consequências que dela emanam, é um ato livre: livre da parte de Deus que chama por uma iniciativa gratuita e a nós incompreensível; livre por parte da pessoa que acolhe o chamado e a ele adere, após ter se tornado consciente de todos os objetivos, implicâncias, condições e exigências, sendo para isso instruídos pela Igreja, a qual, na sua total transparência e honestidade mostra ao candidato as regras claras do “jogo”; que não é um jogo, mas uma vida inteira de uma pessoa única. A liberdade é o que de mais precioso a pessoa humana possui. A liberdade é a condição da validade do ato, mas também fonte e condição de realização, de maturidade, de mérito e de compromisso.

É uma decisão livre que comporta um compromisso e compromete uma vida inteira. Toda decisão é escolha, é seleção, é limitação. Neste caso, a decisão comporta uma seleção a favor de Deus e do seu serviço, uma separação para a pertença exclusiva a Deus.

É oportuno lembrar a cena da luta de Jacó com Deus, episódio narrado no Livro de Gênesis, 32, 23-33. Jacó, atravessando o vale de Jaboc, ficando sozinho, viu-se a lutar com um homem misterioso (Deus), até o raiar da aurora. Jacó foi valente na luta, ao ponto de não se deixar vencer pelo adversário. Este, para vencer a Jacó, atingiu-o na coxa. Jacó continuou lutando e agarrando o adversário: “Não te largarei, se não me abençoares”. Em consequência desta luta corpo a corpo, deste encontro pessoal face-a-face com Deus, Jacó foi mancando a vida toda e mudou de personalidade: “Não te chamarás Jacó, mas Israel, porque lutaste com Deus e com homens, e venceste”.

A luta de Jacó representa a intimidade com Deus, uma aliança de vida. Esta intimidade é o espaço dentro do qual, a partir de agora, vai se realizar a vida destes nossos irmãos: no diálogo interior, na vida de oração e no cultivo da espiritualidade.

Mons. Mauro Piacenza, Secretário da Congregação para o Clero, na sua recente carta escreve: “O Presbítero precisa ser homem de oração, homem que vive na intimidade do Senhor (…) Quando se dá conta que sua própria vida de oração enfraquece, é hora de dirigir-se ao Espírito Santo e implorá-Lo com ânimo de pobre. O Espírito reacenderá o fogo em seu coração”.

Cria-se, pela ordenação, um novo estado de vida, sancionado e protegido até pelo aspecto jurídico. A vida toda torna-se um estado especial de discipulado permanente, do seguimento de Jesus Cristo na constante e perseverante caminhada, sem parar nem enfraquecer, pois o enfraquecimento significaria distanciamento, e o distanciamento significaria perder de vista Aquele a quem se segue, o próprio Jesus Cristo.

São tantos que, pelo enfraquecimento, pela negligência ou pelo cansaço no seguimento, perdem de vista Aquele que seguem. Tentam até justificar as suas decisões de abandono do ministério sagrado. Mas, são muito mais numerosos os que mantém viva dentro de si a chama da paixão por Jesus e continuam firmes no itinerário do seguimento.

A ordenação diaconal inscreve o ordenado no presbitério. É um ato jurídico que se chama “incardinação”. É um ponto típico deste momento a nova realidade que se cria tanto para o ordenado, quanto para o presbitério diocesano. Esta inscrição, com sérias consequências jurídicas, tem como base e princípio a cooperação com a ordem presbiteral e episcopal. De fato, a pergunta que o Bispo fará, será esta: “Quereis desempenhar, com humildade e amor, o ministério dos Diáconos, como colaboradores da Ordem sacerdotal, para o bem do povo cristão?” Como se percebe, todo este dinamismo de vidas entregues a Deus, na verdade é um dinamismo para serviço aos que Deus quer bem – o seu povo.

A vida no presbitério cada vez mais vem sendo compreendida como forma de missão assumida em conjunto, para o bem da Igreja. Deve ser cada vez mais clara a consciência dos ordenados que o fruto apostólico depende do espírito de união e de comunhão e de somar diferentes forças para um trabalho pastoral coeso e consistente. Toda divisão é nociva, dispersa as forças e tira as motivações.

No presbitério, cada membro deve ser acolhido, respeitado e valorizado. Naturalmente, o respeito e a acolhido devem ser autenticamente recíprocos.

A última pergunta do interrogatório traz consigo um gesto muito expressivo. O ordenando coloca as suas mãos unidas dentro das mãos do bispo ordenante, o qual lhe perguntará: “Prometes respeito e obediência a mim e a meus sucessores?”

Trata-se de obediência sobrenatural. Falando com um dos nossos sacerdotes sobre a vida em uma ou outra das nossas paróquias, esse sacerdote falava de perda do senso sobrenatural, que se fazia visível em vários momentos e eventos da vida paroquial. Por exemplo, a perda do senso sobrenatural fazia com que as festas se tornassem puras atividades de conservação de costumes e de tradições, estéreis e incapazes de fazer a comunidade crescer espiritualmente. O trabalho das pessoas envolvidas se tornava exausto e ficava a sensação de tempo perdido nos sacerdotes.

Com a obediência acontece o mesmo. Se é motivada pela dimensão sobrenatural, é assumida e compreendida com alegria, sem condições ou restrições. Reduzida aos valores puramente humanos de relacionamento mais ou menos simpático com o superior, se transforma num peso insuportável que gera um espírito de resistência e, pior, de maledicência.

É preciso insistir sobre a dimensão sobrenatural da obediência, para que seja uma obediência autenticamente apostólica, com fins e motivações puramente apostólicos, tanto da parte de quem manda como da parte de quem obedece. Na recente carta da Congregação para o Clero, que foi lida e meditada na reunião do nosso clero, se fala da obediência filial. Sim, trata-se do afeto filial e paterno, que não brota puramente do valor humano das pessoas, mas é ungido na fé e na profunda espiritualidade.

Vale a pena transcrever aqui a passagem a respeito:

“A obediência na Igreja não é contrária à dignidade e ao respeito da pessoa e não deve ser concebida como uma subtração de responsabilidade ou como uma alienação. O Ritual latino utiliza um adjetivo fundamental para a justa compreensão de tal promessa. Define a obediência somente depois de ter inserido o “respeito”, devidamente adjetivado como “filial”. Ora, o termo “filho” em todas as línguas é um nome relativo, que implica a relação entre o pai e o filho. Justamente neste contexto relacional deve ser compreendida a obediência que um dia prometemos. O pai, neste contexto, é chamado a ser realmente pai, e o filho, a reconhecer a própria filiação e a beleza da paternidade que lhe é doada. Tal como informa a lei natural, ninguém escolhe o próprio pai e, da mesma forma, ninguém escolhe os próprios filhos. Somos, portanto, todos chamados – pais e filhos – a ter uma visão sobrenatural, de grande misericórdia recíproca e de grande respeito. Trata-se de ter a capacidade de olhar o outro tendo presente o Mistério bom que o gerou e que sempre o constitui. O respeito é, em linha máxima, simplesmente este: olhar a alguém tendo presente um Outro (sendo que o Outro é Deus). Só em um contexto de “respeito filial” é que se torna possível uma autêntica obediência, que não será apenas formal, mera execução de ordens, mas apaixonada, completa, atenta e capaz de gerar frutos de conversão e de “vida nova” naquele que a vive”.

Com a ordenação diaconal o ordenando adquire um novo estado de vida, chamado estado clerical. Torna-se membro da Igreja na qualidade de ministro ordenado. Pertence, portanto, à Igreja; fica comprometido com a Igreja. Ser ministro ordenado não é uma profissão, mas um estado de vida que compromete, como costumamos dizer, vinte e quatro horas por dia.

Inerente ao estado clerical, para quem se encaminha para o sacerdócio ministerial, está a promessa de estado celibatário. É um elemento que a Igreja latina tem em máxima consideração. É a forma de vida que a Igreja propõe como condição necessária para o ministério diaconal e sacerdotal.

Pelo celibato livremente assumido, o ministro vive o estado esponsal com Cristo e com a Igreja. Esta é a mais verdadeira e a mais profunda motivação que permite dedicar-se sem restrições à causa do Reino de Deus.

A luta de Jacó com Deus e a sua ferida na articulação da coxa, aqui deve ser retomada como uma parábola específica do estado celibatário. Luta noturna está para simbolizar as numerosas lutas que os consagrados devem travar para se manterem fiéis às suas promessas. São noites de escuridão, de receios, de medos, de dificuldades e crises, de tentações, de incompreensões do mundo e mesmo das pessoas próximas. Deus, porém, luta pela posse de nós. E nós não o largamos, enquanto não nos abençoe e não nos garanta a vitória. Deus fere as nossas articulações humanas, a lógica humana. Mas, mutilados por Deus, somos instrumentos para que Deus continue a sua história da salvação em prol de muitos.

A Igreja está muito atenta para acompanhar os seus ministros neste aspecto. Sofre muito com casos de infidelidade por parte de alguns. Os escândalos preocupam o Papa, os bispos, todos os fiéis. É preciso ser forte e humilde. É preciso ser firme e confiante na graça de Deus. É preciso ser decidido e não entrar nas ambiguidades ou concessões. É preciso construir um espírito fraterno e uma autêntica amizade no presbitério para sermos ajuda e apoio uns aos outros. É preciso cultivar bem os valores pessoais e humanos, cuidar da formação humana e do equilíbrio, que é base de cultivo de valores espirituais. É preciso que os fiéis saibam oferecer aos seus diáconos e sacerdotes um clima de serenidade, de amizade madura e de grande respeito pelas suas escolhas, para terem aquilo que tanto desejam: diáconos e sacerdotes santos, sábios, humanamente equilibrados, decididos nos seus propósitos, guias espirituais seguros.

Maria Santíssima, “ancilla Domini – humilde serva do Senhor” é um modelo deste itinerário. O seu “sim” confirma o sentido do nosso “sim” para o seguimento. A sua sensibilidade com as necessidades do povo em Caná da Galiléia, confirma a nossa solicitude pastoral. A sua ordem “façam o que ele vos disser”, dá direcionamento à nossa obediência. A sua fidelidade virginal fortalece a nossa decisão em viver as renúncias para o Reino com alegria e serenidade.

Na festa de hoje, Nossa Senhora de Guadalupe, Maria Santíssima oferece-nos uma linda inspiração. Escolheu um índio, leigo, que diariamente ia de longe para assistir à Santa Missa e às catequeses catecumenais. A ele, um leigo comprometido e engajado, embora carente de muita compreensão, dignou-se confiar a tarefa de ser missionário junto aos seus semelhantes.

Queridos diáconos, faço-lhes o vivo apelo e dou-lhes esta orientação pastoral: respeitem o povo, saibam valorizar e respeitar as pessoas simples, saibam valorizar a sua experiência religiosa, embora possa parecer de pouca formação doutrinal, estejam atentos às expressões da fé profunda, embora misturada com algumas expressões que a nossa sensibilidade “culta” não aprova, cuidem da autêntica inculturação da fé e do trabalho pastoral, não caiam na tentação do desprezo, do negativismo, da repulsa, que nada edificam e desfiguram o rosto misericordioso de Deus, de quem somos chamados a sermos servos e testemunhas.

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.

Dom João Wilk, OFMConv.

 

 

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