Diocese de Anápolis

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Funções do Magistério da Igreja

1. O Magistério da Igreja não se coloca acima da Palavra de Deus

2. O Magistério da Igreja é o guardião e o interprete da Revelação

Na prática da teologia é preciso levar em conta a posição da função magisterial da Igreja, que muitas vezes interfere de fora no trabalho do teólogo advertindo, admoestando, avaliando, traçando o rumo das pesquisas, proibindo, etc. Por sua natureza a ciência rejeita as ingerências de autoridades exteriores; por exemplo, a sociologia, a economia, a psicologia ou a história tratam a ingerência de fatores partidários e estatais como uma ameaça à sua própria autenticidade. Por isso é preciso esclarecer com muita seriedade e cuidado a questão da competência do magistério da Igreja em relação à teologia.

1. O MAGISTÉRIO DA IGREJA NÃO SE COLOCA ACIMA DA PALAVRA DE DEUS

A Igreja jamais anunciou que é a senhora da Revelação Divina; não sustentou que pode criar uma nova Revelação, que lhe é permitido completar a Revelação ou mudar o que foi concluído. Sempre pregou e atualmente sustenta que é uma serva da Palavra de Deus e deseja permancer sendo serva, que a Palavra de Deus está acima da Igreja, e a Igreja deve ouvi-la com humildade.

Até o estabelecimento do cânone da Sagrada Escritura, que pode sugerir a convicção da superioridade da Igreja em relação à Bíblia, não é tratado pela Igreja como um ato de domínio sobre a Revelação, mas como um ato de serviço então indispensável, que foi necessário cumprir para que o homem soubesse onde se encontra a Palavra de Deus.

A Igreja não proclama a si mesma como a norma definitiva da fé e da moralidade, mas ordena que ela seja vista na Revelação. Considera a si mesma como a norma normatizada pela Sagrada Escritura, que é a única a permanecer como a norma que não é normatizada por nenhuma norma superior.

A enorme valorização da função magisterial da Igreja que observamos na teologia, especialmente a partir do pontificado de Pio XII, eclipsou um pouco essa verdade evidente. Alguns teólogos começaram a dar mais importância aos pronunciamentos dos últimos papas do que à Bíblia e aos Padres da Igreja. O primeiro esquema do Concílio Vaticano II, dedicado a Nossa Senhora, foi tecido de pronunciamentos papais. Os autores do esquema justificavam o seu método explicando que os testemunhos da Escritura, pouco numerosos e discutidos entre os biblicistas, apresentam muitas dificuldades ao teólogo; da mesma forma não é fácil basear-se nos Padres da Igreja, e por isso é melhor e mais simples recorrer aos pronunciamentos dos papas, que estão ao alcance da mão e apresentam riqueza e clareza. O concílio não aprovou tal método, rejeitou o esquema erecomendou que fosse preparado um novo. Verificou-se que apesar de tudo é possível construir uma mariologia bíblica e patrística.

2. O MAGISTÉRIO DA IGREJA É O GUARDIÃO E O INTÉRPRETE DA REVELAÇÃO

Pio XII definiu da seguinte forma a função da Igreja diante da Revelação:

“A Sagrada Escritura deve ser apresentada segundo o espírito da Igreja, que foi instituída por Cristo Senhor como guardiã e intérprete (custos et interpres) de todo o depósito das verdades reveladas” (BF III 72)4.

Embora a definição do magistério da Igreja como custos et interpres da Revelação, bem como nomes sinônimos, p. ex. magistra, tenham surgido tardiamente, desde os primeiros séculos persistia no cristianismo a convicção da enorme autoridade do magistério na área da fé e da teologia.

Até os hereges davam provas de reconhecimento da autoridade dos sucessores de Pedro, ao qual o Senhor confiou o fortalecimento dos irmãos na fé e a quem fez pastor do Seu rebanho. Achavam que na Igreja devia existir uma espécie de regra única de fé, e não eram capazes de indicar uma mais segura do que a fé da Igreja romana. A sé romana constituía o centro do pensamento cristão ortodoxo.

No primeiro milênio, aliás da mesma forma que nos lábios de Cristo, não surgiu a palavra “infalibilidade”, mas existia a convicção de que os sucessores de Pedro asseguram a persistência na Igreja da fé impoluta. No século V os papas começam a utilizar a definição de “irreformáveis” (irreformabiles) em relação às decisões da Sé Apostólica. Constata-se que essa decisão não admite apelação, que ela possui a autoridade de julgamento das Igrejas, e ela mesma não pode ser julgada por outras.

Sem encontrar protestos que questionassem a sua autoridade suprema, os papas se ingerem na vida das outras Igrejas, decidem disputas, fornecem diretivas, redigem as profissões de fé obrigatórias (Hormisdas, Adriano).

A Idade Média transferiu a ênfase para a infalibilidade do papa como aquele que formula a fé. Isso ocorreu em conseqüência dos erros que se difundiam e da postura decidida dos papas.

Falava-se cada vez mais claramente do papa como da autoridade doutrinária suprema na Igreja. Os grandes teólogos da Idade Média por um lado falam da infalibilidade do papa, e por outro gostam mais de citar decretos dos imperadores que dos papas.

O período do cisma Ocidental e do Concílio de Constância trouxe um eclipsamento da consciência da autoridade dos papas em questões de fé e de moral. Muitos eminentes homens da Igreja e teólogos (p. ex. João Gérson +1428) viam apenas um caminho para retirar a Igreja do impasse: o reconhecimento da superioridade dos concílios sobre os papas.

O Concílio de Trento tinha a intenção de definir a doutrina sobre a infalibilidade do papa, mas desistiu disso em razão do protesto dos bispos espanhóis.

No período pós-tridentino os teólogos tentaram estabelecer uma forma de funcionamento da infalibilidade papal (condições, circunstâncias). Surgiram várias tendências de solução, mas a que mais se generalizou foi a opinião de Roberto Belarmino (+1621) de que: 1. o papa não pode definir uma heresia (e isso é absolutamente certo) e 2. ele mesmo não pode cair em heresia (e isso é apenas muito provável). Eram feitas tentativas de definir cada vez mais detalhadamente as condições da infalibilidade.

No século XIX chegou-se à proclamação do dogma da infalibilidade do papa; segundo o dogma do Concílio Vaticano I, o papa é infalível quando fala ex cathedra, isto é: 1. fala como pastor e mestre de todos os cristãos; 2. por força da sua suprema autoridade apostólica; 3. define uma verdade relacionada com a fé ou a moral, e finalmente 4. com a vontade de obrigar a Igreja toda (BF II, 61).

A definição do Concílio Vaticano I não encerrou o problema da graduação do ensinamento papal, visto que ela se relaciona apenas com o ensinamento ex cathedra, enquanto o papa ensina também e sobretudo de forma ordinária, não ex cathedra, e portanto menos obrigatória.

No entanto, independentemente da forma como o papa fala, ele cumpre a função que o Concílio Vaticano I definiu como a função de salvaguardar e explicar o depósito da fé.

Segundo a encíclica de Pio XII Humani generis, a função magisterial da Igreja constitui para o teólogo a norma mais próxima e universal da verdade.

Visto que a função magisterial da Igreja possui uma autoridade tão grande na explicação da Revelação, o teólogo faz bem quando trata muito a sério as diretivas e as explanações fornecidas pelo magisterium Ecclesiae. Nos casos em que a Sagrada Escritura não é evidente e admite diversas interpretações, ele aceita a palavra da função magisterial da Igreja como uma luz preciosa. A encíclica chama-a de “norma mais próxima e universal da verdade”:

“(…) esse santo Magistério, em assuntos de fé e de costumes, deve ser para todo teólogo a norma mais próxima e universal da verdade (proxima et universalis veritatis norma), visto que Cristo Senhor lhe recomendou que salvaguardasse, defendesse e esclarecesse todo o depósito da fé, a saber, a Sagrada Escritura e a divina ‘tradição’ (…)”, [DS (2313) 3884].

Como se depreende do texto citado, a função esclarecedora do magistério da Igreja estende-se igualmente à tradição extrabíblica.

O Vaticanum II não repetiu com a Humani generis a fórmula proxima et universalis veritatis norma, talvez porque ela parece eclipsar o princípio de que a norma suprema da verdade é a própria Palavra de Deus inspirada. No entanto o Concílio reconheceu que a autoridade da autêntica interpretação da Palavra de Deus cabe “apenas à Função Magisterial da Igreja”.

“E a tarefa da autêntica interpretação da palavra de Deus, anotada ou transmitida pela Tradição, foi confiada apenas à viva Função Magisterial da Igreja, que age com autoridade em nome de Jesus Cristo. Essa Função Magisterial não se encontra acima da palavra de Deus, mas serve a ela, ensinando apenas aquilo que foi transmitido. Por ordem divina e com a ajuda do Espírito Santo, ela ouve piedosamente a palavra de Deus, preserva-a santamente e esclarece-a fielmente. E retira desse único depósito da fé tudo que apresenta para a fé como revelado por Deus”.

Fica claro, portanto, que “a santa Tradição, a Sagrada Escritura e a Função Magisterial da Igreja, segundo o mais sábio propósito divino, de tal forma se unem e estreitamente unificam consigo que uma não pode existir sem as restantes, e todos esses fatores juntos, cada um à sua maneira e sob a inspiração do Espírito Santo, contribuem eficazmente para a salvação das almas” (CR 10).

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