Diocese de Anápolis

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Entrevista – Orisvaldo Pires – 2008

Revista “Evidência Goiás”, 16/12/2008

1.  O acordo firmado recentemente entre o governo brasileiro e a Santa Sé é um privilégio à Igreja Católica?

O documento, chamado Acordo, responde a uma exigência da Igreja Católica de uma certeza jurídica, isto é, recolher, dentro de um único texto legislativo, o estatuto jurídico da Igreja Católica no Brasil. Este texto tem a força jurídica de um tratado internacional, sendo estipulado entre duas entidades soberanas de direito internacional: o Estado brasileiro e a Santa Sé ou Vaticano.

É importante destacar que a Santa Sé celebra frequentemente estes tipos de Acordos com Nações do mundo inteiro, inclusive com Países onde predominam outras religiões ou de clara tradição laica ou ‘não confessional’.

 A Igreja não buscou, nem recebeu privilégios, porque o Acordo somente confirma, consolida e sistematiza o que já estava no ordenamento jurídico brasileiro. A Igreja Católica representa a comunidade religiosa da grande maioria dos brasileiros, mais de 70% da população. Promove e defende, no mundo inteiro, a igualdade e a liberdade religiosa para todos. Não quer privilégios e tampouco concorda com discriminações de qualquer tipo. Quer legalizar a sua situação jurídica no País. Aliás, indiretamente, o Acordo beneficia as outras confissões, enquanto reforça formalmente a religião no tecido social do País.

2. Como vê e age a Igreja em relação à situação crescente de violência no Brasil?

Há vários tipos de violência: violência armada, assaltos e roubos, violência no trânsito, violência doméstica, abusos de todos os tipos contra as crianças, violência contra as crianças não nascidas (aborto), violência das drogas, violência do desemprego, violência da desigualdade social, etc.

A violência já foi tema de Campanhas da Fraternidade. No ano 2009 o tema será a segurança pública. É a forma com que a Igreja enfrenta e mobiliza a sociedade contra o crescimento da violência em todos os níveis. Será uma oportunidade muito propícia para discutir, chamar atenção, dialogar com as autoridades sobre a violência, suas manifestações e suas causas.

Combater a violência é apontar para as suas causas. E quais são as causas? Muitas. Entre elas, é preciso destacar declínio dos valores, sistemática destruição da família, banalização da dignidade da pessoa humana, do corpo, do amor, da sexualidade. Em outra ordem, as causas da violência estão no projeto competitivo da vida na sociedade, propostas de padrão de vida fora do alcance de muitos, falta de oportunidade para a juventude, desemprego, modelo de vida boa e fácil.

A Igreja contribui para o combate a violência com iniciativas e programas definidos, p. ex. o trabalho da Pastoral da Criança. Pensando bem, toda a atividade da Igreja que visa promover o bem, o amor, o perdão é o grande “antídoto” aos impulsos de degradação e da violência.

3. O senhor já realizou quase trinta visitas pastorais em diferentes setores da cidade. Os anapolinos vivem com dignidade nos setores mais humildes?

As visitas pastorais têm como objetivo conhecer o aspecto religioso da vida do nosso povo, a verificação do trabalho pastoral e da administração das estruturas a serviço da evangelização. Naturalmente, a visita pastoral faz perceber a qualidade de vida do nosso povo também no aspecto material e humano. Há muita dignidade, bondade, senso de solidariedade. Mas, os bairros chamados periféricos, suscitam sérias preocupações: pobreza humana e material, moradias precárias, desemprego ou subemprego, famílias desunidas e incompletas, problemas na área de saúde, superpopulação nas escolas da rede pública, consumo de drogas, problemas de alcoolismo, entre outros.

4. Em várias de suas homilias, percebe-se menções e uma preocupação em relação à unidade das ações do clero. Como está a Diocese neste contexto?

A Diocese de Anápolis qualifica-se entre as dioceses médias. Graças a Deus, continua com um bom número de vocações sacerdotais. Aumenta o número de sacerdotes jovens no presbitério. Há campos de atuação pastoral diversificados. Os sacerdotes são sobrecarregados de atividades. São fatores que pedem uma atenção especial para acompanhar adequadamente. Do outro lado, a Igreja pede que se crie uma pastoral presbiteral, que se promova formas de vida e de trabalho em equipes e comunidades sacerdotais. Que se crie uma mentalidade de trabalho em conjunto, enfrentando os desafios pastorais não com sensibilidades individuais, mas com ótica de unidade pastoral.

Há também o fator histórico que contribuiu para a diversificação de presenças, de sensibilidades, de carismas diferentes, inclusive de culturas diferentes no meio do clero. Estes fatores precisam se integrar, em vista de uma comunhão serena e dentro da compreensão de um pluralismo sadio.

A unidade é um elemento da própria essência da Igreja. Tem um grande modelo na Santíssima Trindade. Faz com que o esforço pastoral seja mais eficaz e o povo fique edificado. Permite acolher prontamente as orientações do Santo Padre e os programas pastorais da Igreja na América Latina e no Brasil.

5. O que o senhor pensa sobre o relacionamento respeitoso com outras religiões? Como é em Anápolis?

O respeito e a convivência pacífica estão entre as características de uma religiosidade sadia. A Igreja faz neste sentido um esforço grande e notável. Os últimos Papas, especialmente João Paulo II e agora Bento XVI, nos dão um exemplo claro de diálogo ecumênico e inter-religioso. Nas viagens apostólicas são promovidos esses encontros ou, como são chamados, encontros com os construtores da sociedade pluralista. Dialogar, respeitar-se, colaborar não significa desistir da própria identidade. Pelo contrário, o encontro exige uma clareza da sua identidade para se fazer compreender e compreender o outro. Não elimina as diferenças, mas evidencia o que une.

No contexto de Anápolis, de forma geral, há convivência serena e respeitosa. Um exemplo de colaboração é a participação dos seguimentos religiosos na Cruzada pela Dignidade. Podemos citar a visita do Bispo Maronita à comunidade sírio-libanesa e a celebração conjunta da Santa Missa na Catedral. Há proximidade com os expoentes de algumas denominações religiosas. Em poucos casos constatou-se controvérsias, que foram resolvidas no respeito e na sinceridade.

6. As pesquisas com células tronco embrionárias foram liberadas pelo STF. Agora, os ministros analisam para decidir sobre em que ponto começa a vida. O senhor acredita que o homem tenta agir como Deus?

A problemática é ampla e atual. Nestes últimos dias, a Santa Sé, especificamente a Congregação para a Doutrina da Fé, publicou um importante documento intitulado “Dignidade da pessoa”. Aborda com precisão os assuntos de vida sob aspectos de antropologia, medicina e fé. Recolhe resultados de muitos congressos e trabalhos realizados nesse campo nos últimos anos. Em síntese, fala que para salvar vidas não se pode destruir outras, mesmo se essas estejam em estágio embrionário. A respeito do uso das células tronco com fins terapêuticos, rejeita o recurso ao uso das células embrionárias para experimentação científica. Diz o documento: “Constitui um crime contra a dignidade de seres humanos, que têm direito ao mesmo respeito devido à criança já nascida e a qualquer pessoa.” Indica o uso de células tronco adultas, como eticamente viável e com perspectivas de êxito muito maiores, extraídas “dos tecidos de um organismo adulto, do sangue do cordão umbilical, no momento do parto, dos tecidos de fetos mortos de morte natural” (n. 32).

No Brasil há muita pressão de diversos grupos para aprovar o uso de células embrionárias. Esta pressão parece ser feita mais por motivos ideológicos e econômicos, do que por motivos de verdadeira ciência e de busca de verdadeiros resultados. Infelizmente! É lamentável também, como as pessoas ignoram os ditames da lei natural, de compreensão mais profunda da dignidade da vida humana, até de temor de Deus.

7. Por que a Igreja, a cada dia, amplia mais sua participação no debate político?

O processo político é o espaço da construção da democracia e do bem comum. Este processo precisa ser iluminado e aperfeiçoado cada vez mais. A Igreja não dispõe de partidos políticos. Dispõe da Doutrina Social da Igreja, que é um manancial de ensinamentos amadurecidos ao longo dos séculos, confrontando a doutrina revelada com diversas situações da vida dos povos e dos sistemas políticos e econômicos. Faz parte da missão de ensinar, que Jesus Cristo deixou à Igreja.

8. Que qualidades um político deve ter, para corresponder bem ao seu dever na condução de um mandato?

A lista seria longa para enumerá-las. Deve ter a compreensão correta de que a política é a arte do bem comum. Deve trabalhar para o bem de todos, não por interesses particulares ou de determinados grupos. Deve saber escolher os colaboradores, preferindo as suas competências no exercício da administração. É importante também a capacidade de trabalhar em equipe e saber dividir corretamente as responsabilidades. Olhar para os setores que, no momento, precisam de mais atenção.

9. Uma nova administração municipal se inicia em 1º de janeiro de 2009. Qual a expectativa da Diocese sobre as ações do novo governo em benefício da comunidade e, especialmente, da população mais carente?

Tudo que se inicia nos dá motivos para esperança. Queremos que as esperanças dos que elegeram seus novos representantes e governantes sejam respeitadas e satisfeitas.

Ninguém consegue mudar a realidade de um dia para outro ou fazer o impossível. Desejamos que a nova administração municipal faça um planejamento adequado e o realize com êxito, saiba dar continuidade aos processos em curso para as melhorias das estruturas, que atenda com prontidão aos setores primários de educação, saúde, segurança. Sejam olhados com particular atenção os bairros distantes do centro. Que saiba trabalhar harmoniosamente com todos os setores da vida social, política, econômica e religiosa.

+ João Wilk, OFMConv.
Bispo de Anápolis

 

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