Diocese de Anápolis

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Bíblia – a Palavra de Deus inspirada

1. A Sagrada Escritura como fala de Deus

2. A Sagrada Escritua como Cristo escrito

a) O dinamismo salvífico da Palavra de Deus

b) Cristo presente no anúncio do Evangelho

Na Sagrada Escritura estamos diante de um texto que informa com competência, transmite uma determinada mensagem (locutio Dei attestans), bem como encontramos um acontecimento – Jesus Cristo – em torno do qual concentra-se todo o texto bíblico. A palavra inspirada desvenda e apresenta ao homem o Salvador, o Verbo encarnado (Christus scriptus).

 1. A SAGRADA ESCRITURA COMO FALA COMPETENTE DE DEUS
(LOCUTIO DEI ATTESTANS)

Desde a Idade Média tem predominado na teologia o tratamento da Sacraga Escritura como da fala competente de Deus (locutio Dei attestans) que informa o homem a respeito de certas verdades.

Segundo o Concílio de Trento, a Revelação é sobretudo uma doutrina:

“O santo, ecumênico e universal Concílio de Trento, legalmente reunido no Espírito Santo, sob a direção de três legados da Santa Sé, incessantemente chama a atenção para que sejam afastados os erros e preservada na Igreja unicamente o puro Evangelho há muito prometido pelos profetas na Sagrada Escritura (p.ex. Jr 31, 28; Is 55, 5; 61, 1), que nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, anunciou primeiramente pelos Seus próprios lábios, e a seguir mandou que Seus Apóstolos o anunciassem a toda criatura (Mt 28, 19 ss.; Mr 16, 15) como fonte de toda verdade salvífica e das normas de procedimento. O Concílio está plenamente consciente do fato de que essa verdade e as normas de procedimento encontram-se nos livros escritos e nas tradições não escritas que os Apóstolos receberam da boca do próprio Cristo ou eles mesmos assumiram sob a inspiração do Espírito Santo e assim as transmitiram como que de mão em mão até os nossos tempos” (BF III, 10).

O Concílio Vaticano I repetiu a doutrina do Concílio de Trento (BF III, 16). Acentuou mais ainda a natureza noética da Revelação afirmando que é preciso necessariamente aceitar pela fé o que encerra a Sagrada Escritura e o que transmite a Tradição (definição de dogma):

“Com fé divina e católica é preciso crer em tudo que está encerrado na palavra divina anotada ou transmitida pela Tradição e que é apresentado para crença pela Igreja como revelado por Deus, seja em proclamação solene, seja no ensinamento comum e universal” (BF III, 19).

Ambos os concílios enfatizaram o fato indubitável de que a Revelação transmitida pela Sagrada Escritura e pela Tradição traz sobretudo o ensinamento: a respeito de Deus que atua na história da salvação e a respeito do homem enredado no grande drama da salvação. Respeitando a natureza humana, Deus adaptou-se às possibilidades cognitivas do homem e apresentou-lhe a Sua mensagem em conceitos e sentenças da linguagem humana, embora não se tenha restringido unicamente a esse caminho.

Mesmo naqueles casos em que Jesus realizava a revelação pela Sua atividade, o comentário verbal desempenhava um papel importante; por exemplo, quando lavou os pés dos apóstolos, demonstrou pela palavra o sentido desse serviço; ao curar os doentes e perdoar seus pecados, esclarecia o relacionamento mútuo de ambos os fatos: “Ora, para que saibais que o Filho do homem tem na terra o poder de perdoar os pecados… eu te ordeno, levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa” (Lc 5, 24).

2. A SAGRADA ESCRITURA COMO CRISTO ESCRITO – CHRISTUS SCRIPTUS

A Sagrada Escritura não apenas informa a respeito da salvação, mas também confere a salvação; não apenas fala de Cristo, mas dá Cristo. A anunciação da Palavra de Deus, no seu conteúdo mais profundo, é a anunciação de Cristo, e a anunciação de Cristo é a sua doação ao homem.

Em toda a Sagrada Escritura Deus, ao comunicar ao homem certas verdades a respeito de si mesmo e da salvação, Ele mesmo se entrega ao homem. A palavra revelada transmite o ensinamento e a graça. A história do cristianismo conhece numerosos exemplos de grandes conversões que brotaram da leitura da Sagrada Escritura, por exemplo a conversão de S. Agostinho. Os textos simples da Bíblia, que por vezes ao primeiro contato embaraçam pela simplicidade e naturalidade, de repente são capazes de impressionar o leitor ou o ouvinte e de realizar o que não conseguiram fazer os sábios argumentos.

A própria Sagrada Escritura fala claramente desse seu caráter singular.

A. O DINAMISMO SALVÍFICO DA PALAVRA DE DEUS

Em muitos lugares a Sagrada Escritura assombra pelo dinamismo interior e sobrenatural da palavra divina contida na Bíblia:

“Porque a palavra de Deus é viva, eficaz, mais penetrante do que uma espada de dois gumes, e atinge a té à divisão da alma e do corpo, das juntas e medulas, e discerne os pensamentos e intenções do coração” (Heb 4, 12).

“Tomai, enfim, o capacete da salvação e a espada do Espírito, isto é, a palavra de Deus” (Ef 6, 17).

“Tal como a chuva e a neve caem do céu e para lá não volvem sem ter regado a terra, sem a ter fecundado, e feito germinar as plantas, sem dar o grão a semear e o pão a comer, assim acontece à palavra que minha boca profere: não volta sem ter produzido seu efeito, e cumprido sua missão” (Is 55, 10-11).

“Com efeito, não me envergonho do Evangelho, pois ele é uma força vinda de Deus para a salvação de todo o que crê” (Rm 1, 16).

“A nós é que foi dirigida a mensagem de salvação” (At 13, 26).
“… a ostentar a Palavra da vida…” (Flp 2, 16).

“Fui eu que vos gerei em Cristo Jesus pelo Evangelho” (1Cor 4, 15). 
Cf. ainda: At 5, 20; 14, 3; 20, 32; 1Pe 1, 23-25.

B. CRISTO PRESENTE NO ANUNCIO DO EVANGELHO

Alguns textos vão mais longe e expressam a fé numa espécie de presença especial de Cristo na Palavra de Deus anunciada. Da forma mais explícita isso se expressa nas cartas de S. Paulo:

“Contanto que de todas as maneiras (…) Cristo seja anunciado” (Filip 1, 18).

“Mas nós pregamos Cristo crucificado…” (1Cor 1, 23).

“O Filho de Deus, Jesus Cristo, que (…) vos temos anunciado…” (2Cor 1, 19). Cf. também: 2Cor 11, 4; Flp 1, 15; Col 1, 28.

“Anunciar a Cristo” não significa apenas “falar de Cristo” como de um acontecimento histórico, mas algo mais: significa – “anunciá-Lo de tal forma que Ele se torne presente”. Da mesma forma, quando o profeta anuncia a ira ou a justiça divina, não apenas adverte contra elas, informa a respeito delas como um repórter, mas torna-as próximas. “Anunciar a Cristo” significa fazê-Lo presente e oferecê-Lo àqueles a quem é anunciado. A glorificação de Homero ou de Napoleão não provoca a presença deles, ao passo que a anunciação de Cristo torna-O presente. O Evangelho (num sentido mais amplo isso se relaciona com toda a Bíblia) não é apenas a palavra a respeito de Cristo e a palavra do próprio Cristo, mas de alguma forma profundamente misteriosa – o próprio Cristo.

Os grandes escolásticos, conhecidos sobretudo pela especulação teológica desenvolvida ao extremo, ficavam profundamente impressionados com a incomparável grandeza da palavra da Sagrada Escritura. Chamavam a teologia simplesmente de Sagrada escritura: sacra Doctrina significava para eles o mesmo que sacra Pagina, ou Biblia. Em S. Boaventura encontramos um pensamento sobre duas encarnações: do Verbo eterno no corpo (Verbum incarnatum) e de Cristo, Verbo encarnado na palavra da Sagrada Escritura (Christus scriptus). A partir de João Duns Escoto, e sobretudo de Guilherme de Ockham, a audição da palavra de Deus e a sua leitura na Bíblia foi comparada nos ambientes franciscanos com a participação na Eucaristia, e até era colocada mais alto. S. Bernardino de Sena explicava aos fiéis que, se não tivessem tempo para participar de toda a Missa, mas apenas de alguma parte dela, que escolhessem antes o sermão, que possui para eles um significado maior que a própria Eucaristia.

O Concílio Vaticano II comparou a veneração da Igreja à Sagrada Escritura com a prestada à Eucaristia:

“A Igreja smpre teve veneração pela Escritura divina, da mesma forma que pelo próprio Corpo do Senhor” (CR 21).

Falando da preparação dos clérigos ao sacerdócio, o concílio apontou três objetivos que dispôs de forma surpreendente: em primeiro lugar colocou a preparação para o serviço da palavra (praeparentur ad ministerium verbi). Somente em segundo lugar colocou o serviço do culto e da santificação, e em terceiro – a preparação para o serviço pastoral (DFS 4). Da mesma forma o concílio dispôs as obrigações fundamentais do sacerdote: a mais importante delas é a evangelização (DSS 4). Todo o Decreto sobre a atividade missionária da Igreja baseia-se na premisssa de que o meio principal de fundar a Igreja é a anunciação do Evangelho.

A teologia que não se alimenta da Sagrada Escritura torna-se uma caricatura de teologia, uma pseudoteologia, e transforma-se em mitologia. Por isso a Bíblia tornou-se o objeto de uma série de disciplinas do conhecimento, como história bíblica, exegese e teologia bíblica. No ciclo dos estudos teológicos estão previstas introduções gerais ao Antigo e Novo Testamento, bem como introduções aos diversos livros, além da arqueologia e da geografia bíblica. Por isso na teologia sistemática é lícito restringir-se a observações complementares.

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